Daniel Medeiros*
Comecei
a dar aulas aos 18 anos. Meus alunos, em um supletivo de bairro, eram
todos mais velhos que eu. Senti ali, pela primeira vez, a urgência do
conhecimento. Experiência eu não tinha, história de vida também não.
Aquelas pessoas cansadas e sonolentas sentavam nas carteiras estreitas e
olhavam para mim à espera de algo. Não fazia sentido aquelas horas sem
dormir e sem jantar se não houvesse uma compensação à altura. Eu
precisava, diariamente, refazer a conexão com eles, apresentando algo
que eles não viam no seu cotidiano, algo que nunca lhes passou pela
cabeça, algo que despertasse-os da anestésica rotina dos seus afazeres
mal remunerados. E eu estudava e estudava para sempre ter uma história
suculenta para eles. Como o artesão que capricha na peça que será
admirada; como o agricultor que revolve e revolve a terra para dela
tirar o fruto de encher os olhos. Eu aprendia e eu ensinava. E assim eu
aprendia o que devia ensinar. Eu era ponte, eu era isca, eu era o
palhaço e o domador, o atirador de facas, o malabarista. E, muitas
vezes, eles saíam das aulas com os olhos vermelhos de sono, cansaço, um
breve sorriso, um balançar de cabeça. Eu havia chegado a algum lugar
deles. Eu estava ali. Eu sei.
Chegar a
algum lugar deles era fácil de perceber. Lembro-me de fazê-los descolar
as costas das carteiras e quererem, com o olhar, aproximarem-se de mim.
Essa era a senha: quanto menos interessante é o que você fala, mais o
outro quer se distanciar. Mas quando há sumo, cheiro e mistério, a
vontade é de morder, é de beijar. E, nesses dias, eu saia da escola
sabendo por que aquela seria a minha profissão para sempre. Sentia-me
gente, humano. E aprendia que queria aprender mais e mais. Para repetir
aquele momento. Como uma droga, como um passe no terreiro, como uma
benção alcançada.
Sou
professor há 37 anos. E ainda hoje, vez por outra, consigo fazer essa
mágica, fruto de estudar e aprender e estudar e estudar. Sei que não sou
eu quem faz a mágica, é o conhecimento que carrego como um vaso Ming.
Não há tecnologia ou outro recurso didático que substitua a carne farta
de uma história contada em todos os seus detalhes, uma explicação longa e
consistente, uma demonstração calma e clara. O ser humano, mesmo
acossado pela grosseria do presente, pela força que desfaz as coisas
belas, continua encantado por uma história cheia de conhecimentos. Fazer
sentido, perceber-se entre as coisas que até pouco tempo eram estranhas
e que agora acenam como velhas amigas, realizar algo que era só sombra e
medo cria laços que jamais serão rompidos. Cada vez que consigo isso,
realizo-me como professor. Como a mente cartesiana que se fascina por
conhecer-se, é no olhar de compreensão do aluno que entendo o que faço.
Ser
professor é carregar esse novelo de confiança e responsabilidade. Como
uma Ariadne, temos a chance de ajudar as crianças e jovens a saírem do
labirinto, matarem o Minotauro da ignorância que aniquila com seu medo
violento. Ser professor é ser um porta voz do conhecimento de outros
seres humanos, uma ponte que conecta os saberes em uma corrente que
mantém os monstros dogmáticos à distância.
Sempre vivemos em guerra, sempre restamos no front.
Assumir essa tarefa de ser professor é saber que não haverá o momento
do "descanso pra valer" e que sempre o conhecimento precisará ser
cultivado e entregue em outras mãos. Como uma espécie de herói
melancólico, a vida pessoal de um professor não tem a importância de seu
trabalho e ele está sempre à espera de um chamado. E o professor é
assim porque quer ser assim. Cansado, mas sem preguiça. Pesaroso, mas
nunca desesperançado. Porque o labirinto precisa ser percorrido e o
Minotauro precisa ser morto muitas vezes, ou as crianças e jovens
viverão para servir de alimento para os tiranos insaciáveis.
*Daniel Medeiros é Doutor em Educação Histórica pela UFPR e professor no Curso Positivo.
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