Por Ana Nery, especialista em inclusão e gênero da Plan Brasil
Os dois casos que repercutiram nos últimos dias — a prisão de um influenciador que construiu audiência a partir de discursos abertamente misóginos e o assassinato de duas mulheres no CEFET-RJ por um homem que já havia sido afastado por comportamentos violentos — não são episódios desvinculados. Eles fazem parte de um mesmo fenômeno, a misoginia.
Por misoginia entende-se o ódio, desprezo ou aversão às mulheres ou a tudo que está ligado ao feminino. Ela se manifesta em níveis simbólico, cultural, institucional e interpessoal. Não é apenas uma expressão individual, mas um sistema social e cultural que coloca meninas e mulheres em uma situação inferior de poder.
A violência contra meninas e mulheres não começa quando situações extremas como essas acontecem. Ela é produzida e reproduzida culturalmente desde a infância, quando crianças aprendem, a partir de diferentes lugares, o que podem e não podem fazer, quem deve ceder, quem deve exercer mais poder e por aí vai.
Essa estrutura social, cultural e institucional acaba se tornando um terreno propício para que a violência baseada em gênero se perpetue em nossa sociedade. Cotidianamente vemos grupos misóginos propagarem ódio às mulheres nos ecossistemas digitais e em demais espaços e instituições sociais, instituições essas que muitas vezes falham em proteger meninas e mulheres, mesmo diante de sinais nítidos de risco.
Quando nos deparamos com esses casos precisamos refletir sobre o quanto a misoginia permanece sendo socialmente aceita e como isso se reverbera em violências que continuam sendo reproduzidas em todas as esferas.
Por isso, políticas públicas de prevenção precisam ir além de ações pontuais, envolvendo a educação para igualdade de gênero desde a primeira infância, levando em conta as diversidades e interseccionalidades desse contexto; a disponibilização de uma formação continuada para profissionais do sistema de garantia de direitos e de toda rede de proteção que atua na prevenção, proteção e responsabilização da violência baseada em gênero; implementação de um sistema de responsabilização efetiva de pessoas agressoras, com protocolos institucionais de proteção funcionais e que alcancem o maior número possíveis de pessoas e a regulação e enfrentamento aos discursos de ódio e à desinformação misógina online.
As empresas e instituições privadas também podem contribuir ativamente para o combate a essas violências, com iniciativas como:
- Construção de políticas e normas internas que previnam e coíbam (e enderecem, caso ocorram) assédio, discriminação e misoginia, com canais seguros e confidenciais para denúncias, com acompanhamento e retorno às vítimas;
- Sensibilização e formação continuada e contínua sobre vieses inconscientes, violência e assédio no trabalho e cultura organizacional inclusiva;
- Valorização de uma cultura organizacional inclusiva que valorize a equidade;
- Estruturas justas e seguras para mulheres;
- Processos de RH livres de vieses e comunicação institucional responsável, além de monitoramento, transparência e melhoria contínua.
De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS) a violência contra a mulher é considerada uma das crises de direitos humanos mais persistentes e negligenciadas do mundo. Esses dados e as notícias nos informam que não estamos diante de casos isolados, mas diante de uma sociedade que precisa assumir, de forma contundente, que a misoginia mata, e que a prevenção depende de ações e transformações estruturais. E essas transformações só vão se sustentar com compromisso de todas as pessoas.
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