Legado do Prêmio Nansen, projeto de IMDH e ACNUR percorre país com formações sobre clima e deslocamentos humanos
Iniciativa já impactou mais de 600 pessoas em 13 cidades com a proposta de capacitar
crianças, jovens e adultos em educação ambiental e sustentável
Projeto foi apresentado pela diretora do IMDH, Irmã Rosita Milesi (ao centro), durante a COP30 em Belém. UNHCR/Melik Benkritly
A scalabriniana Rosita Milesi, diretora do Instituto Migrações e Direitos Humanos (IMDH), foi laureada em 2024 com o Prêmio Nansen da Agência da ONU para Refugiados (ACNUR) por sua dedicação e atenção às pessoas refugiadas no Brasil. Deste reconhecimento, criou o projeto Clima e Deslocamentos Humanos, iniciativa que capacita pessoas sobre os impactos crescentes que os eventos climáticos extremos e desastres têm provocado nos deslocamentos forçados no mundo. O propósito é construir caminhos de esperança onde antes havia apenas urgência e posicionar pessoas refugiadas e migrantes como agentes centrais da justiça climática.
Entre setembro e novembro de 2025, o projeto capacitou 600 pessoas de 13 cidades e comunidades afetadas pela degradação climática para discutirem as dinâmicas locais e propor medidas de atenção às consequências da crise climática. O intuito é formar atores ativos de transformação socioambiental global, em alinhamento estratégico com o Pacto Global para Refugiados do ACNUR e em sinergia para o cumprimento dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU.
“O enfrentamento da crise climática passa, antes de tudo, pela escuta e pelo fortalecimento das pessoas e comunidades locais que mais sentem seus efeitos. São elas que nos ensinam, com sua sabedoria e coragem, caminhos de cuidado e esperança”, afirma Irmã Rosita Milesi.
As oficinas do projeto são marcadas por intensa participação e construção coletiva, extrapolando o ambiente da sala de aula. Além das dinâmicas e debates sobre deslocamentos humanos e justiça climática, o projeto conta também com feiras de artesanato e apresentações culturais, que expressam, por meio da arte e da dança, a força e a diversidade dos povos presentes.
“Nosso trabalho é também ajudar a nossa comunidade a entender e apoiar a prevenção de situações como as enchentes que aconteceram aqui. É importante que nós, enquanto lideranças comunitárias, tenhamos essa formação sobre mudanças climáticas, para que possamos repassar”, ressalta.
A metodologia é integrativa: une dados científicos, saberes ancestrais e técnicas de arte-ativismo para criar soluções socioambientais tangíveis no enfrentamento das crises climáticas e deslocamento forçados. Facilitador das oficinas, o haitiano Robert Montinard, destaca que o intuito não é “passar conhecimento”, mas compartilhar.
“A metodologia oferece a oportunidade para as pessoas tirarem de dentro para fora as experiências de vida. Falamos sobre as pedras no caminho, as dificuldades que tivemos no processo de deslocamento pelas questões de mudanças climáticas. Depois, vemos os caminhos formados pela resistência, as lutas, as iniciativas. O projeto foca nas pessoas afetadas, para escutá-las e transformar a dor em propostas” comenta.
Participante da mesma oficina em Canoas, o angolano Adriano Katetula mora na cidade gaúcha de Esteio, e diz ter ficado impactado com as experiências compartilhadas no encontro. “É muito emblemático e especial”, conta.
De mãos dadas com as crianças pela justiça climática
Em parceria com a Rede Infâncias Protagonistas, o projeto Clima e Deslocamentos Humanos, realizou atividades com 300 crianças refugiadas e migrantes da Venezuela, Haiti, Bolívia, Nigéria, Paraguai e Líbano. Nas oficinas, realizadas em 10 cidades, elas plantaram mudas nativas, criando jardins que simbolizam raízes, esperança e pertencimento.
As crianças escutaram com atenção sobre as crises climáticas, os deslocamentos humanos e a justiça climática, temas que dialogam intimamente com suas próprias histórias de travessia. Por meio da contação das histórias do livro Pasito a Pasito: Cruzando Fronteiras, que narra experiências de crianças venezuelanas, elas puderam se reconhecer e compreender que não estão sozinhas em suas jornadas.
Com lápis de cor e muita criatividade, expressaram em desenhos seus sonhos, memórias e visões sobre sustentabilidade, deixando registros coloridos de um aprendizado que une consciência ambiental, acolhimento e protagonismo infantil. Com as mãos na terra, plantaram suas mudas nativas e levaram para casa um kit de jardinagem com regador, pazinhas e sementinhas de girassol, para continuar plantando e semeando vida, cultivando futuros mais verdes onde quer que estejam.
Relevância de Irmã Rosita na COP30
Embaixador da Boa Vontade do ACNUR, Alfonso Herrera, ficou impressionado ao conhecer a atuação de Irmã Rosita em prol da população refugiada e migrante no Brasil. |
Irmã Rosita também levou o projeto Clima e Deslocamentos Humanos à COP30, realizada em Belém, a fim de fortalecer articulações estratégicas em torno da agenda climática e da mobilidade humana. Para 2026, está prevista a criação da Rede Nacional Clima e Deslocamentos Humanos, que reunirá representantes de diferentes regiões do país para o intercâmbio de experiências e a construção conjunta de propostas de ação.
O Representante do ACNUR no Brasil, Davide Torzilli, também participou do painel na COP30 ao lado da Irmã Rosita e destacou dados alarmantes do relatório Sem Escapatória II: o caminho a seguir, lançado pelo ACNUR na conferência. Três em cada quatro pessoas deslocadas à força no mundo vivem em países que enfrentam exposição alta a extrema a riscos relacionados ao clima.
“Nos últimos 10 anos, os desastres relacionados ao clima causaram cerca de 250 milhões de deslocamentos internos, que equivale a mais de 700 mil deslocamentos por dia. Ver o Prêmio Nansen resultar em um projeto de educação ambiental e de estruturação de redes de apoio reforça a urgência desta agenda e confirma a vanguarda da Irmã Rosita enquanto agente de impacto e transformação na vida de pessoas refugiadas no Brasil”, destaca Torzilli.
“O caminho se faz caminhando”
Inspirado nas palavras da Irmã Rosita quando recebeu a premiação em Genebra, o projeto reconhece que o enfrentamento das crises climáticas e dos deslocamentos humanos não segue trilhas previamente demarcadas. Ao contrário, muitas vezes, vem justamente desfazer caminhos, desafiando a sociedade a construir novas trilhas e vias. Desta forma, “o caminho se constrói no caminhar”, por meio da união de saberes científicos, experiências vividas e práticas comunitárias transformadoras – saberes estes que são evidenciados pela equipe do IMDH na implementação do projeto, com apoio do ACNUR.
O projeto se estruturou em quatro frentes principais:
- Formação Trilhas do Semear: oficinas para capacitar 300 agentes multiplicadores em quatro regiões estratégicas do Brasil.
- Comunicação e Narrativas – Estradas da Palavra: criação de conteúdos digitais e audiovisuais para humanizar a pauta da crise climática e do deslocamento forçado.
- Saberes Compartilhados – Trilhas do Saber: integração entre academia e comunidades, com disciplinas universitárias e publicações científicas.
- Mobilização e Incidência – Caminhos Coletivos: articulação de políticas públicas, participação na COP30 e criação de uma rede nacional sobre clima e deslocamentos.
A nova edição do Prêmio Nansen do ACNUR 2025 ocorrerá dia 10 de dezembro, em Genebra. Desde 1954, são homenageadas pessoas e organizações excepcionais que se dedicam ao apoio e à proteção de pessoas refugiadas e deslocadas em todo o mundo.


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