ANEC alerta para os riscos da regulamentação da educação domiciliar e reforça a importância da escola como espaço de socialização, equidade e formação integral
A educação domiciliar, conhecida como homeschooling, voltou ao centro do debate público brasileiro diante da tentativa de deputados de incluir a regulamentação da prática na votação do novo Plano Nacional de Educação (PNE). O modelo propõe que pais, tutores ou professores particulares assumam diretamente o processo de ensino das crianças e adolescentes em casa, substituindo a metodologia profissionalizada escolar e tradicional por uma formação que coloca em risco a aprendizagem e a socialização da criança e do adolescente.
Defensores afirmam que a modalidade amplia a liberdade das famílias na formação dos filhos, enquanto críticos alertam para os riscos à socialização, à equidade e à qualidade da aprendizagem.
O debate, que há mais de uma década movimenta o cenário educacional brasileiro, ganhou novo capítulo com decisões judiciais e iniciativas legislativas recentes. O avanço do homeschooling tem provado divergências entre famílias, educadores e gestores, que discutem até que ponto a prática pode coexistir com o modelo escolar tradicional.
Em abril de 2025, a Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) reafirmou, por unanimidade, a inconstitucionalidade da Lei nº 6.759/2020, do Distrito Federal, que regulamentava o ensino domiciliar. A Corte reiterou que a criação de novas modalidades de ensino é competência exclusiva da União e que a ausência de uma lei federal específica pode comprometer a qualidade, a equidade e a supervisão do sistema educacional brasileiro. A decisão reforça que, enquanto não houver regulamentação, o homeschooling permanece sem respaldo legal no país. A decisão reafirma a necessidade da escola como ambiente insubstituível e estabelece que, enquanto não houver regulamentação federal, a prática compromete a segurança jurídica e a formação cidadã do estudante.
Segundo o Censo Escolar 2024, o Brasil contabiliza cerca de 47 milhões de matrículas na educação básica, número que representa uma leve queda em relação ao ano anterior. Embora ainda não existam dados oficiais sobre o homeschooling, estimativas da Associação Nacional de Educação Domiciliar (ANED) apontam cerca de 70 mil estudantes fora da escola tradicional. Esse crescimento, contudo, ocorre sem regulamentação federal, o que tem acendido o alerta de educadores e gestores públicos.
No cenário internacional, países como Estados Unidos, Canadá e Portugal adotam o homeschooling, porém sob rígidos critérios, como padrões curriculares mínimos, avaliações externas padronizadas para garantir a aprendizagem e acesso a atividades de socialização para mitigar o isolamento. Esses mecanismos asseguram que a aprendizagem e a socialização ocorram dentro de parâmetros compatíveis com a educação formal. No Brasil, entretanto, a implementação da modalidade ainda não conta com diretrizes semelhantes, o que gera preocupações em relação à garantia do direito à educação e ao desenvolvimento integral dos estudantes.
Nesse contexto, a Associação Nacional de Educação Católica do Brasil (ANEC), que reúne mais de 1.200 escolas e 79 instituições de ensino superior e 359 mantenedoras em todo o país, tem manifestado preocupação com os riscos que o homeschooling pode representar para o direito à aprendizagem e para a convivência comunitária. Para a entidade, a aprovação da modalidade pode comprometer a qualidade e a universalidade do ensino, dificultar a fiscalização pública e reduzir a convivência social, aspectos essenciais à formação de crianças e adolescentes.
A recente publicação do Relatório da UNESCO de 2025 estabelece uma evolução conceitual no paradigma educacional global. Ao reconhecer o homeschooling como uma modalidade válida do direito à educação e ao validar as legítimas preocupações parentais com o bem-estar e a segurança dos filhos, a agência da ONU reforça a autonomia familiar. No entanto, essa legitimação internacional é indissociável da responsabilidade pública e pedagógica. O documento é taxativo ao exigir que a viabilidade do ensino domiciliar esteja estritamente condicionada à adoção de modelos de supervisão rigorosa e equilibrada, como os implementados em Portugal e na Finlândia. A reflexão que emerge para o Brasil é crucial: a eventual regulamentação deve transcender a mera legalização da prática e se alinhar a este padrão de excelência em fiscalização e acompanhamento, garantindo que o estudante, em qualquer ambiente, não seja privado dos pilares fundamentais de qualidade, desenvolvimento integral e convivência social. Qualquer proposta que negligencie estas diretrizes robustas corre o risco de falhar no compromisso ético com a formação plena do cidadão."
“A defesa da escola vai além da sala de aula, trata-se de preservar a própria essência da convivência humana. O ser humano é um ser social e se desenvolve melhor em comunidade do que isolado. Naturalmente, a família é a menor célula social da sociedade, mas os pais que trabalham precisam da escola como espaço essencial ao processo formativo da criança, de aprendizagem e de convivência”, afirma Irmã Iraní Rupolo, diretora-presidente da ANEC.
Mais do que um impasse jurídico, o avanço do homeschooling reabre a reflexão sobre o papel da escola na sociedade contemporânea. O debate evidencia que o ambiente escolar vai além da transmissão de conteúdos: é um espaço de convivência, diversidade e construção coletiva do conhecimento, pilares indispensáveis à equidade e à formação cidadã.
A Ir.Iraní alerta para o futuro das crianças educadas em homeschooling em relação ao ensino superior e vida profissional. “A criança na escola domiciliar pode se desenvolver por até 15 anos sozinha. Mas, depois, quando adulta, como vai interagir na sociedade? Hoje discutimos o homeschooling na educação básica, mas como esse indivíduo vai se enquadrar no ensino superior e no mercado de trabalho, carecendo de habilidades e competências socioemocionais? Mesmo com modalidades simultâneas, a educação a distância também impõe limitações. Além disso, nem sempre a pessoa vai conseguir trabalhar apenas de forma digital, isolada em casa. Por isso, é fundamental preservar a convivência e a socialização do ser humano. É nesse sentido que defendemos a escola como instituição essencial, alinhados à missão de sermos uma Igreja em Saída, afirma.
Para conhecer em detalhes o posicionamento da instituição sobre o homeschooling, acesse a Agenda de Incidência Política, disponível no site da associação. Também é possível consultar a coletânea de textos produzida pela entidade sobre o tema, que reúne documentos e análises utilizados nos debates recentes sobre homeschooling.
Site: https://anec.org.br/
Sobre a ANEC
A Associação Nacional de Educação Católica do Brasil (ANEC) é uma instituição sem fins lucrativos, de caráter educacional e cultural, representante da Educação Católica no Brasil, e unida em comunhão de fé com a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) e a Conferência dos Religiosos do Brasil (CRB).
A instituição atua em favor de uma educação de excelência para promover uma educação cristã, entendida como aquela que visa à formação integral da pessoa humana, sujeito e agente de construção de uma sociedade justa, fraterna, solidária e pacífica, segundo o Evangelho e o ensinamento social da Igreja.
A ANEC atua em 900 municípios do Brasil, realiza 172 obras sociais e tem como associadas 1200 escolas, que incluem Creche, Educação Infantil, Ensino Fundamental e Médio, e 79 instituições de Ensino Superior, que atendem a mais de 1,5 milhão de alunos, além de 359 mantenedoras.
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