Entre avanços e silenciamentos, a mulher ainda luta por voz no Judiciário em 2025


 por Victória Araújo Acosta

Relatórios do CNJ e do DataSenado mostram que a igualdade de gênero ainda é desafio no sistema judicial brasileiro

Em 2025, o papel da mulher no sistema de Justiça brasileiro ainda vive uma encruzilhada entre conquistas e retrocessos. Dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) indicam que, embora mais de 8 mil decisões tenham sido proferidas com base no Protocolo de Julgamento com Perspectiva de Gênero desde sua criação, ainda há resistência na aplicação efetiva das diretrizes que buscam coibir discriminações e revitimizações no ambiente judicial.

Segundo o relatório Justiça em Números 2025, mulheres representam 38% da magistratura nacional, número que cresce lentamente desde 2018, quando era de 36%. No entanto, a presença feminina em cargos de cúpula segue limitada: 21,2% dos magistrados no segundo grau são mulheres, e nos tribunais superiores o índice não ultrapassa 20%. Essa desigualdade estrutural reflete também no tratamento conferido às partes nos processos.

A advogada Victória Araújo Acosta, fundadora da VAA Advocacia e especialista em direito de família e violência doméstica, avalia que os avanços institucionais ainda não alcançaram a prática cotidiana. “A criação de protocolos e resoluções é um passo importante, mas o que vemos é uma aplicação fragmentada. Muitas mulheres ainda enfrentam decisões marcadas por estereótipos de gênero ou por uma leitura moralizante de seus comportamentos”, afirma.

Violência, saúde mental e vulnerabilidade

Estudo da Revista de Saúde Pública (Scielo, 2025) reforça o impacto dessa desigualdade na vida das brasileiras. Mulheres entre 20 e 59 anos continuam sendo as principais vítimas de violência física e psicológica, e 19,6% delas apresentam algum tipo de transtorno mental, segundo relatório técnico da Agenda Mais SUS (2023). A Pesquisa Nacional de Violência contra a Mulher (DataSenado, 2024) aponta que 30% das brasileiras afirmam já ter sofrido violência doméstica ou familiar praticada por homem. Nos últimos 12 meses, o percentual varia por estado, chegando a 32% no Amazonas, por exemplo.

Dra Victória observa que o Judiciário, muitas vezes, é o último refúgio para mulheres que não encontraram acolhimento em outros ambientes, principalmente dentro dos próprios lares. “O processo judicial não pode ser um novo espaço de violência. Julgar com perspectiva de gênero significa compreender o contexto em que a mulher está inserida e evitar decisões que a exponham novamente a constrangimentos e injustiças”, explica.

Caminhos e desafios para uma Justiça equitativa

A implementação obrigatória do Protocolo de Gênero, consolidada pela Resolução CNJ nº 492/2023, é considerada um dos maiores marcos na busca por uma Justiça mais equilibrada. O documento orienta magistrados a observarem desigualdades estruturais e a evitarem linguagem discriminatória. Porém, pesquisa conduzida por universidades da Região Sudeste aponta que apenas 40% dos juízes afirmam aplicar o protocolo de forma sistemática.

Os retrocessos também aparecem na lentidão legistativa. A tentativa de revogação da Lei de Alienação Parental, debatida em 2024 e 2025, mas sem deliberação definitiva até o momento, reacendeu críticas sobre a fragilidade da proteção jurídica às mães e crianças. Segundo o CNJ, as ações judiciais relacionadas ao tema saltaram de 401 em 2014 para 5.152 em 2023, com pico de 5.824 em 2022, um aumento de mais de 1.150% em menos de dez anos. 

Para a especialista, a Lei de Alienação Parental é instrumento de inversão de papéis e revitimização de mães e crianças, transferindo para às mães uma responsabilidade que é dos genitores. Órgãos nacionais e internacionais renomados, como a ONU, a CONANDA, entre outros, defendem a revogação imediata da LAP, o que, até então, vem sendo ignorado pelas casas legislativas e representa continuidade da violência processual contra mulheres. 

Especialistas defendem que o caminho para o avanço passa pela formação continuada de magistrados, criação de núcleos interdisciplinares nos tribunais e fortalecimento das políticas públicas de acolhimento. Também é necessário, segundo Dra Victória, “garantir a presença de mais mulheres em espaços de decisão e assegurar que as vítimas sejam tratadas com dignidade, sem a desconfiança que historicamente as persegue”.

Como orientação prática, ela recomenda que mulheres que enfrentem litígios judiciais procurem órgãos especializados e representação estratégica. “Buscar apoio jurídico especializado e psicológico é essencial para quebrar o ciclo de violência e garantir que a Justiça cumpra seu papel de proteção e igualdade”, conclui.

Em um cenário ainda desigual, os avanços mostram que o Judiciário brasileiro começa a ouvir mais as dores e injustiças historicamente enfrentadas por mães e mulheres. Mas ouvir não é suficiente, é preciso prática rotineira dentro dos Tribunais para que as decisões reflitam mudanças efetivas e capazes de impactar positivamente a sociedade. 

 

Sobre Victória Araújo Acosta

Victória Araújo Acosta é advogada e fundadora da VAA Advocacia, escritório de abrangência nacional com atuação exclusiva em direito de família e violência doméstica, com foco na defesa de mães, mulheres e crianças. Laureada pela Universidade Estadual do Norte do Paraná e pós-graduada pela Fundação Getúlio Vargas, é reconhecida nacional e internacionalmente pela ONU por sua atuação em causas complexas do direito das famílias com aplicação da perspectiva de gênero. Atualmente, lidera a equipe do VAA, formada por mulheres advogadas, e é responsável técnica por centenas de processos em todos os estados do país. Também é palestrante e presença ativa nas redes sociais, impactando diariamente milhares de mulheres ao oferecer informações jurídicas sérias e relevantes.

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