Seis anos da Reforma a Previdência: retrocesso social e controvérsias




João Badari*

No dia 13 de novembro de 2019, o Brasil amanhecia sob novas regras previdenciárias. A Emenda Constitucional nº 103 marcou uma das maiores transformações da história do sistema de proteção social brasileiro. Prometida como necessária para equilibrar as contas públicas, a chamada “Nova Previdência” trouxe, de fato, avanços pontuais em termos de sustentabilidade, mas também impôs restrições que até hoje geram controvérsias e injustiças.

Entre os pontos positivos, merece destaque a manutenção da aposentadoria rural. A reforma não alterou os requisitos de idade nem o tempo mínimo de contribuição dos trabalhadores do campo: 60 anos para homens, 55 para mulheres e 15 anos de atividade rural comprovada. Essa preservação reconhece a realidade dura do meio rural, onde o trabalho é mais penoso e o acesso ao emprego formal é mais escasso.

Também permaneceu, de forma acertada, intocada a aposentadoria da pessoa com deficiência, protegida pela Lei Complementar 142/2013. A reforma manteve a diferenciação de tempo e idade conforme o grau da deficiência, garantindo tratamento mais justo a quem enfrenta maiores barreiras de inclusão no mercado de trabalho. Esses dois pontos demonstram que, apesar de seu caráter restritivo, a reforma teve a sensibilidade de manter direitos fundamentais de grupos vulneráveis,algo essencial para a função social da Previdência.

Mas nem tudo resistiu ao discurso da contenção de gastos. A pensão por morte teve o cálculo completamente alterado, tornando-se mais desvantajosa para as famílias. Antes, o dependente recebia o valor integral do benefício; hoje, a pensão equivale a 50% do valor da aposentadoria do segurado, com acréscimo de apenas 10% por dependente, até o limite de 100%. Isso significa que uma viúva sem filhos pode receber apenas 60% do valor que o falecido teria direito — uma mudança que impacta fortemente a renda de milhares de famílias. Além disso, o cálculo do benefício passou a sofrer dois redutores adicionais: um pela proporcionalidade (60% mais 2% por ano de contribuição a partir dos 15 anos para mulheres e 20 para homens) e outro pela impossibilidade de acumular integralmente com outro benefício.

Outro ponto crítico é a aposentadoria por invalidez, agora chamada de aposentadoria por incapacidade permanente. O valor passou a ser de apenas 60% da média de todas as contribuições, acrescido de 2% por ano que exceder 20 anos de contribuição.

Na prática, quem sofre uma doença grave ou acidente pode ver o benefício cair para pouco mais da metade do que teria direito antes da reforma. Essa injustiça é tema de discussão no Supremo Tribunal Federal (Tema 1300 da repercussão geral), que busca corrigir o desequilíbrio causado pela nova fórmula.

Outro retrocesso simbólico e doloroso foi o fim da aposentadoria por tempo de contribuição. Até 2019, bastava completar 30 anos de contribuição (mulheres) ou 35 anos (homens) para se aposentar, independentemente da idade. A reforma acabou com essa possibilidade, impondo idade mínima de 62 anos para mulheres e 65 para homens, além de novas regras de transição. Milhões de trabalhadores que já contribuíam há décadas foram obrigados a adiar o sonho da aposentadoria. E não se pode esquecer a aposentadoria especial — destinada a quem trabalha exposto a agentes nocivos à saúde — que passou a exigir idade mínima, um sério e grave retrocesso social.

É inegável que o sistema previdenciário precisava de ajustes. O envelhecimento populacional e o aumento da expectativa de vida exigem revisões periódicas. Mas o equilíbrio fiscal não pode ser buscado às custas da dignidade social.

A Previdência é mais do que um gasto: é um dos maiores programas de redistribuição de renda do país, responsável por movimentar a economia de milhares de pequenos municípios brasileiros. Se a reforma trouxe maior previsibilidade financeira ao Estado, também impôs sacrifícios desproporcionais aos segurados mais frágeis. O ideal seria que o debate sobre sustentabilidade viesse acompanhado de medidas de ampliação da arrecadação, como o combate à inadimplência das grandes empresas e à sonegação, e não apenas de cortes de direitos.

No aniversário da reforma, o balanço é claro: o sistema se tornou mais rígido e tecnicamente equilibrado, mas menos humano e acessível. A manutenção da aposentadoria rural e da pessoa com deficiência são pontos de luz em um cenário de endurecimento das regras. Já a perda da aposentadoria por tempo de contribuição, as novas fórmulas da pensão e da invalidez e o aumento das exigências de idade e tempo tornaram a conquista da aposentadoria um caminho mais longo e desigual.

A Previdência é, antes de tudo, um pacto social. E seis anos depois da reforma, o Brasil ainda busca reencontrar o ponto de equilíbrio entre sustentabilidade fiscal e proteção humana, sem o qual a Previdência deixa de ser um direito para se tornar apenas uma conta a pagar.

*João Badari é advogado especialista em Direito Previdenciário e sócio do escritório Aith, Badari e Luchin Advogados

 

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