Quando a Justiça trata crianças como objetos em litígios familiares ela falha em garantir seus direitos, aponta advogada
No Brasil, há risco de que o Judiciário, em alguns casos, se esqueça de que crianças e adolescentes são sujeitos de direitos, e não podem ser tratados como objetos de disputas entre adultos
Foto/arquivopessoaldivulgação
Ao decidir casos de guarda, convivência ou separação de pais, muitas vezes o Judiciário adota uma perspectiva em que a criança deve ser submetida aos interesses e vontades dos pais, sem sopesar seus sentimentos, medos e preferências. Ideias como “a criança precisa se adaptar; ou o sofrimento faz parte” infelizmente são comuns em processos mal conduzidos. Essa abordagem revela um descompasso entre o que a lei garante e o que é praticado.
Desde a Constituição Federal de 1988 e a promulgação do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), em 1990, o Brasil adotou a doutrina da proteção integral, que reconheceu crianças e adolescentes como sujeitos de direito, com prioridade absoluta.
Dados do estudo “30 anos de direitos da criança e do adolescente” apontam que, apesar do arcabouço legal avançado, persistem lacunas na efetivação desse ambicioso modelo, sobretudo nos casos em que interesses parentais colidem.
Para a advogada Victória Araújo Acosta (foto) fundadora da VAA Advocacia e especialista em direito de família e violência doméstica, é fundamental que o sistema de Justiça adote uma postura que respeite o protagonismo infantil. “Tratar a criança como mero objeto de disputa é desconsiderar sua humanidade. Ela precisa ser ouvida, acolhida e ter sua visão levada em conta, conforme sua maturidade e condição emocional”, alerta.
Na prática, ouvir uma criança não significa colocá-la no centro do conflito entre adultos. Significa dar-lhe voz, com técnicas adequadas, o que foi regulamentado pela Lei 13.431/2017, que institui a escuta especializada para crianças e adolescentes em situação de violência ou conflito.
Mesmo assim, ainda há decisões judiciais que desprezam laudos psicológicos ou defendem que a vontade infantil não pode pesar frente aos interesses dos pais e às regras gerais comumente aplicadas. Para Dra Victória, isso representa uma forma de violência processual. “Quando o Juiz, ao justificar sua decisão, não fundamenta por que ignorou a fala da criança ou depreciou aspectos emocionais, ele falha no dever constitucional de proteção integral”, aponta.
Um obstáculo recorrente é a capacitação insuficiente de magistrados, promotores e equipes técnicas para lidar com crianças em condição vulnerável. Muitos Julgadores ainda operam com estereótipos que minimizam o impacto do conflito familiar na vida da criança, e tendem a minimizar dores e relatos contundentes como se fossem “manipulação” materna.
Dra Victória sugere que o Judiciário incorpore equipes multidisciplinares, psicólogos, assistentes sociais, pedagogos realmente capacitados para lidar com casos complexos em direitos das famílias.
A criança, em situação de dúvida razoável em relação a sua integridade física ou emocional, precisa ser protegida, e não ignorada ou revitimizada dentro de processos judiciais. “A presença técnica adequada evita interpretações superficiais. A criança não é brinquedo de genitor ausente, irresponsável e negligente; é pessoa em formação, e precisa ser tratada como tal”, afirma.
Para tornar real o estatuto da infância, o Judiciário precisa romper com a lógica da disputa adulta e resgatar o respeito e a proteção à criança como principais objetivos dentro de processos judiciais.
Sobre Victória Araújo Acosta
Victória Araújo Acosta é advogada e fundadora da VAA Advocacia, escritório de abrangência nacional com atuação exclusiva em direito de família e violência doméstica, com foco na defesa de mães, mulheres e crianças. Laureada pela Universidade Estadual do Norte do Paraná e pós-graduada pela Fundação Getúlio Vargas, é reconhecida nacional e internacionalmente pela ONU por sua atuação em causas complexas do direito das famílias com aplicação da perspectiva de gênero. Atualmente, lidera a equipe do VAA, formada por mulheres advogadas, e é responsável técnica por centenas de processos em todos os estados do país. Também é palestrante e presença ativa nas redes sociais, impactando diariamente milhares de mulheres ao oferecer informações jurídicas sérias e relevantes.
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