Debate sobre estratégias de adaptação vai ganhar destaque na COP 30, explica docente da Unesp


Professor e especialista em resiliência climática, Pedro Torres explica a crescente importância do tema, que deverá ser central para a agenda da conferência em Belém, e destaca o atraso do Brasil em relação a outros países em desenvolvimento no enfrentamento aos impactos de eventos extremos



Praia de Ipanema à noite, em janeiro de 2025 | Fernando Frazão/Agência Brasil

Os olhos do mundo começam a se voltar para Belém. Na capital paraense, a Cúpula do Clima, que reúne mais de 40 chefes de Estado e representantes de 101 nações, representa uma etapa preparatória para a Conferência das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (COP30) e se destina a iniciar o debate sobre temas que serão negociados no evento principal.

Parte da agenda que será abordada pelos negociadores durante a COP30 foi esboçada ao longo do ano nas chamadas Cartas da Presidência da COP30. Esses documentos públicos se destinam a estabelecer o tom do encontro e, principalmente, introduzir os temas que serão tratados como prioridade pela presidência do evento na condução da agenda das negociações.

Em sua última carta, divulgada no dia 23 de outubro, o embaixador André Corrêa do Lago sinalizou para uma mudança relevante no andamento das negociações, que por anos priorizaram a agenda da redução das emissões. “À medida que a era dos alertas dá lugar à era das consequências, a humanidade se depara com uma verdade profunda: a adaptação climática deixou de ser uma escolha que sucede a mitigação; ela é a primeira parte de nossa sobrevivência”, escreveu o embaixador. Para alguns especialistas, a conferência em Belém pode ser a oportunidade de conferir à agenda da adaptação o necessário protagonismo.

Um desses especialistas é Thaynah Gutierrez, assessora internacional da ONG Geledés Instituto da Mulher Negra, que vem acompanhando as discussões sobre a agenda de adaptação que antecedem a COP30. Ela diz que é possível acreditar que essa edição fique marcada como a “COP da Adaptação” e que essa opinião foi reforçada após participar da pré-COP30, evento realizado em Brasília, em outubro, quando praticamente todas as lideranças dos países presentes apontaram a agenda de adaptação como uma prioridade.

Essa mudança de ênfase vai exigir que se tire do papel decisões que estão tramitando há dez anos, desde a assinatura do Acordo de Paris. A principal é o Objetivo Global de Adaptação (ou GGA, do inglês Global Goal of Adaptation). O GGA foi concebido, em 2015, como um mecanismo capaz de orientar os países sobre como se preparar para as consequências da mudança do clima, mas também como um instrumento que permite avaliar e comparar globalmente o andamento desse processo. Mais ou menos como já ocorre em relação à mitigação, área para a qual foram desenvolvidos inventários com metodologias bem definidas sobre quais setores emitem mais gases de efeito estufa, e que servem de apoio para que países desenvolvam políticas para reduzi-las, reportando seus resultados periodicamente.

“Quando se conversa com gestores públicos ou mesmo na academia, um ponto que sempre é colocado é que a adaptação ainda não é mensurável”, diz Pedro Torres, que é coordenador do Laboratório de Desigualdade Ambiental, Mudanças Climáticas e Planejamento em Ambientes Socioecológicos e docente da Unesp, no câmpus do Litoral Paulista, em São Vicente.

“Os planos de mitigação, por outro lado, são muito claros porque costumam ser baseados em números e em ações concretas. Eu vejo isso claramente trabalhando com secretarias e gestores públicos”, diz Torres. “O GGA foi pensado para ser um indicador com metas claras de adaptação para serem medidas e atingidas”, afirma Torres.

Um dos pontos mais importantes para viabilizar os Objetivos Globais de Adaptação, explica o professor, é a definição dos indicadores que servirão como uma espécie de referência para os países medirem seu progresso e compará-lo com outras nações. A expectativa é que as negociações em Belém batam o martelo em um processo de seleção que começou ainda em 2023, a partir da sugestão de cerca de 9.500 indicadores, que, sob o escrutínio de dezenas de especialistas, foi reduzida para apenas uma centena.

“É um desafio abranger a complexidade da agenda de adaptação de cada país nesses cem indicadores. Por isso, eles tiveram que ser o mais generalistas possível, de forma a servir como uma espécie de guarda-chuva de opções para os países se orientarem”, explica Gutierrez.

De modo geral, a ideia é que os cem indicadores estejam divididos em sete áreas temáticas (água e saneamento, alimentos e agricultura, saúde, biodiversidade, infraestrutura, erradicação e patrimônio cultural), além de três áreas dimensionais (impacto, planejamento e implementação). Os indicadores em saúde podem medir, por exemplo, mudanças na taxa de mortes associadas ao calor; ou, em alimentos, pode ser medida a taxa de adoção de práticas e tecnologias resilientes ao clima.

O tom enfático com que o presidente do evento se referiu à temática da mitigação, no entanto, não é garantia de que os indicadores serão aprovados durante as negociações que transcorrerão na conferência. Segundo Gutierrez, os debates ainda estão distantes de alcançar algum consenso mais amplo quanto a indicadores e metodologias, algo que é dificultado pelo fato de que os países apresentam realidades específicas e são afetados pelas mudanças climáticas de diferentes formas. Tudo isso pode resultar em entraves nas negociações. “Esse quadro faz com que a negociação corra o risco de se resumir a um debate, linha por linha, sobre o que cada país deseja de cada indicador”, afirma.

Como exemplo, Torres cita o baixo número de estados e municípios que já elaboraram seus respectivos planos de adaptação climática. “Se esses indicadores forem consolidados neste momento em que nós ainda estamos criando nossos planos e políticas, eles podem se inspirar nessas orientações e provavelmente não serão planos generalistas, mas alinhados ao que está sendo praticado em âmbito internacional”, explica ele.

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