Photo: Gabriel Pupo Nogueira
Photo: Gabriel Pupo Nogueira
Tilápia foi a espécie de peixe usada no cultivo experimental
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Estudo coordenado pela Embrapa Meio Ambiente (SP) em parceria com a Itaipu Binacional, em Foz do Iguaçu (PR), demonstrou que o sistema de bioflocos (BFT) permite uma produção intensiva com mínimo uso de água, alto aproveitamento de nutrientes e menor potencial de contaminação ambiental, consolidando-se como uma tecnologia estratégica frente aos desafios da produção de proteína animal. A pesquisa atual é uma continuidade de trabalhos iniciados há três anos que já havia comprovado vantagens dessa tecnologia (matéria aqui).
Tainara Blatt, técnica agrícola da Secretaria de Desenvolvimento Econômico, Trabalho e Agricultura de Foz do Iguaçu, explica que, durante 70 dias de cultivo experimental em tanques circulares de 4,2 m³ cada, foram produzidos quase 5 mil alevinos de tilápia em cada tanque. A produção foi mantida em alta densidade: cerca de 395 peixes por metro cúbico. Ao fim do período de cultivo, foram observados taxa de sobrevivência de 98%, peso médio final de 20,4 gramas e conversão alimentar aparente de apenas 1,05 , o que significa que corresponde ao consumo de 1,05 kg de ração para converter em 1kg de peso. “Esses índices demonstram não só o bom desempenho zootécnico, como também a eficiência alimentar das tilápias no sistema BFT, que estão relacionadas com o consumo do floco microbiano com alimento complementar, que além de apresentar alto teor de proteína, possui também bactérias probióticas”, relata Blatt.
Os pesquisadores utilizaram a análise do balanço de massa — baseada na lei da conservação de massa — para estimar as entradas (ração, água e biomassa de peixes inicial) e saídas de nutrientes (biomassa de peixes final, efluentes líquidos e sólidos), além de perdas ao longo do processo. “Esse tipo de abordagem permite avaliar com precisão a retenção de carbono, nitrogênio e fósforo e estimar o potencial de poluição”, destaca Alex Cardoso, pesquisador colaborador do projeto.
De acordo com a pesquisa, o BFT reteve 45,4% do nitrogênio, 46,3% do fósforo e 29,7% do carbono fornecidos principalmente pela ração. Ao fim do ciclo, a carga residual de nutrientes por tonelada de peixe, foram de 10,24 kg de fósforo, 46,63 kg de nitrogênio e 442,47 kg de carbono. “Esses valores são muito inferiores aos observados em sistemas tradicionais, como tanques-rede, que podem liberar até 18,25 kg de fósforo, 77.50 kg de nitrogênio e 700 kg de carbono por tonelada de tilápia produzida”, compara o pesquisador da Embrapa Hamilton Hisano.
Essa eficiência se deve à principal característica do BFT: a reciclagem de nutrientes pela ação de microrganismos que formam os bioflocos. O BFT utiliza apenas 135 litros de água por quilo de tilápia. A baixa necessidade de renovação hídrica e o reaproveitamento da água de cultivo reduz o risco de contaminação de corpos d’água e amplia a biossegurança, como também potencializa a utilização do BFT em regiões de escassez hídricas e também em regiões urbanas e periurbanas.
A água dos tanques foi monitorada continuamente, com controle rigoroso de temperatura, oxigênio dissolvido, sólidos suspensos e nutrientes. O equilíbrio do sistema foi mantido pela adição de açúcar como fonte de carbono, mantendo a proporção carbono:nitrogênio em 12:1. Essa estratégia favorece o crescimento bacteriano em detrimento de algas, como demonstrado pela queda progressiva nos níveis de clorofila-a ao longo do cultivo.
O estudo também aplicou indicadores de sustentabilidade divididos em categorias como uso e eficiência de recursos, liberação de poluentes e conservação da biodiversidade. O BFT obteve classificação de impacto moderado (nível 4) quanto ao risco à biodiversidade, inferior à dos sistemas abertos, que oferecem maior risco de escape de espécies e contaminação ambiental. “Como sistema fechado, o BFT proporciona maior controle sobre a produção e os resíduos gerados”, destaca Tainara Blatt.
Tecnologia apresenta elevado consumo de energia
Para André Watanabe e Celso Buglione da Itaipu Binacional, o principal desafio identificado foi o elevado consumo energético, estimado em 114,6 megajoules por quilo de peixe produzido — valor associado à necessidade de aeração contínua e manutenção das condições do sistema. Para ampliar a adoção do BFT, os pesquisadores apontam a urgência de investir em fontes de energia renováveis e no aprimoramento da eficiência dos equipamentos utilizados.
Resíduos podem se tornar fertilizantes ou ração
Outro destaque do trabalho foi a possibilidade de reaproveitamento dos resíduos sólidos removidos do sistema. Com potencial para serem transformados em fertilizantes ou ingredientes para ração, esses subprodutos podem agregar valor e contribuir para a circularidade da produção, reforçando o caráter sustentável do BFT.
Apesar da escassez de estudos que avaliem o sistema de forma integrada, os pesquisadores ressaltam que ferramentas como a análise do ciclo de vida e o cálculo da pegada de carbono podem ser incorporadas futuramente para mensurar com mais precisão os impactos ambientais da piscicultura em bioflocos.
Com base nos dados obtidos, os pesquisadores concluem que o sistema BFT oferece uma solução tecnicamente viável e ambientalmente mais segura para a intensificação da aquicultura. Seu uso racional de recursos naturais, a capacidade de reter nutrientes e o controle sobre os impactos ambientais o posicionam como alternativa estratégica para a produção de proteína aquática frente às pressões crescentes por segurança alimentar e preservação dos ecossistemas.
O estudo, reforça a importância de investimentos em pesquisa, monitoramento e inovação para aprimorar ainda mais a sustentabilidade dos sistemas aquícolas. Em regiões como o semiárido ou áreas periurbanas com uso restrito da água, o BFT pode representar a chave para uma aquicultura eficiente, ambientalmente responsável e alinhada às demandas do futuro.
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Participantes e artigo científicoO artigo científico pode ser acessado neste link. Participaram do trabalho Tainara Laise da Silva Blatt da Secretaria do Desenvolvimento Econômico, Trabalho e Agricultura de Foz do Iguaçu; Alex Júnio da Silva Cardoso e Hamilton Hisano da Embrapa Meio Ambiente, e André Luiz Watanabe e Celso Carlos Buglione Neto da Itaipu Binacional. |
Cristina Tordin (MTb 28.499/SP)
Embrapa Meio Ambiente
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