Achei, nos meus alfarrábios, texto que
publiquei, em 3 de maio de 1987, na Folha
de S. Paulo, dedicado à Melhor Idade:
Na Religião de Deus, do Cristo e do Espírito
Santo procuramos sempre aliar a energia dadivosa dos mais novos ao patrimônio
da experiência dos mais idosos. E isto se consegue pela influência do Amor
Fraterno, que não é velho nem novo; é eterno porque é Deus. O Pai
Celestial é Amor, consoante definiu João, em sua Primeira Epístola, 4:8. E
completava o saudoso proclamador da Religião Divina, Alziro Zarur
(1914-1979): “E nada existe fora
desse Amor”. Por isso, quem tem ideal não envelhece. O corpo pode baquear.
Mas o Espírito está sempre alerta. Jovem é aquele que mantém o Ideal no Bem.
Que é novo, que é o antigo, afinal?
Nada! Immanuel Kant (1724-1804), o grande filósofo alemão, autor
de Crítica da Razão Pura,
afirmava, mutatis mutandis, que
o tempo é a grande mentira dos homens. Portanto, acima de tempo-espaço e seus
limites. Real é a Vida, que é eterna.
Sidónio Muralha, poeta português que se
radicou no Brasil, onde viveu até o seu falecimento em 1982, louvou essa
eternidade do valor intemporal no seu belíssimo “Cântico à Velhice”: “(...) É este o cântico/ Dedicado ao que
chamam/de velhice/ que é a infância/ lançada mais longe,/ onde o horizonte/ se
rasga e alarga (...)”.
A composição poética, a recebemos da
Dra. Helen Anne Butler Muralha, esposa do saudoso poeta, que gentilmente
também nos cedeu a foto do casal. Vamos, então, ao esforço bem-sucedido de
Muralha, por desmistificar o tempo, esse fantasma que atormenta o ente
humano-ser-restrito, até que um dia ele perceba que, na verdade, é Espírito
Eterno, pairando acima de todos os grilhões da carne perecível.
“Cântico à Velhice”
“Minha
velha Portuguesa/ com o teu rosto marcado,/ mas sem medo da vida/ (e ainda
menos da morte),/ atira o teu cajado contra o tempo/ que passa e não tem
presente,/ porque na segunda sílaba do presente/ já passou a ser passado.
“Atira
teu cajado, companheira,/ contra esse tempo efémero/ que não consegue
apagar-nos.
“Nós
corremos no sangue/ das novas gerações/ e os velhos são as crianças/ do futuro,
/as primaveras que vieram dos invernos,/ as flores que rebentam,/ que explodem
da terra,/ como tu,/ minha querida portuguesa,/ que em cada ruga que tens/
existe um poema escrito/ tão grande e tão profundo/ que é um cântico à velhice.
“Sim,
um cântico sem fronteiras,/ porque os velhos/ têm asas imensas/ que voam no
sentido contrário,/ desafiando o espaço/ como quem roça o mar,/ mergulha para
sempre/ mas deixa, perto do sol,/ uma mensagem salgada.
“Velha
portuguesa/ feita de oceano/ como todos nós,/ que somos navios,/ barcos,
canoas,/ remos e lemos,/ quilhas,/ algas e maresia,/ mastros de audácia/ que
derrotam tempestades,/ caravelas, descobertas,/ velha portuguesa/ descobre que
o tempo/ tem medo do teu cajado/ e desanca as horas,/ e desaba as horas,/ e
desaba os relógios/ que são acidentes/indecentemente formais.
“É
este o cântico/ dedicado ao que chamam/ de velhice/ que é a infância/ lançada
mais longe,/ onde o horizonte/se rasga e alarga.
“Não esqueças, portuguesa amiga,/ de vergastares o tempo/com o teu cajado.”
Logo, que não se perca o bom ideal, porque
ele é determinante em qualquer idade. Você é quem decide se é velho ou moço,
por mais duras que sejam as circunstâncias em que se ache, temporária ou
permanentemente.
José
de Paiva Netto ― Jornalista, radialista e escritor.
paivanetto@lbv.org.br
— www.boavontade.com
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