Entre o medo, a consciência e a alta performance: o Brasil diante de decisões invisíveis




Por Fernando Manfio*

A prisão domiciliar do ex-presidente Jair Bolsonaro, decretada em 4 de agosto, não é apenas um acontecimento jurídico de grande repercussão. Ela também representa um ponto de inflexão simbólico para o país, um momento que convida à reflexão sobre como estamos decidindo nossos rumos, tanto no campo institucional quanto no cotidiano das organizações e da vida social.

Não são apenas as decisões políticas que estão em jogo. Há algo mais profundo que raramente ganha espaço no debate público: as decisões invisíveis que operam abaixo da superfície, movidas por padrões emocionais, automatismos inconscientes e crenças que muitas vezes escapam à nossa percepção. É o que denomino de "Território Invisível da Decisão", um campo onde o medo se disfarça de prudência, a reatividade se mascara de estratégia e escolhas importantes são feitas sem a devida presença ou responsabilidade.

Nessas camadas mais sutis, a polarização política deixa de ser um fenômeno meramente ideológico e se revela como um padrão coletivo de defesa emocional. A lógica do “nós contra eles” se impõe não porque é eficaz, mas porque oferece uma sensação momentânea de controle e pertencimento. Em cenários de instabilidade, a tendência natural é tomar decisões apressadas, defensivas ou automatizadas, podendo acontecer nas instituições, nos mercados e nas relações interpessoais, e é aí que mora o risco de repetir erros com roupagens diferentes.

A maior parte das decisões humanas não é racional. Estudos da Harvard Business School e do professor Gerald Zaltman indicam que mais de 90% das escolhas são tomadas de forma inconsciente e só depois revestidas de justificativas racionais. Acreditamos que estamos decidindo com lógica, mas frequentemente estamos apenas organizando argumentos para sustentar uma decisão que já foi tomada, muitas vezes por impulso, medo ou vaidade.

Diante desse cenário, o desafio contemporâneo das lideranças - políticas, empresariais, institucionais - é desenvolver maturidade decisória. Isso implica sair do piloto automático e acessar níveis mais profundos de consciência, onde a intenção, a atenção e a atitude estejam alinhadas. Chamo esse tripé de IA²: a combinação entre intenção clara, atenção plena ao contexto e atitude coerente com os valores que se deseja sustentar.

Essa mudança de postura não é trivial. Exige coragem para encarar os próprios vieses, disposição para ouvir o contraditório e capacidade de sustentar a ambiguidade sem recorrer a fórmulas prontas. Ao contrário do que muitos pensam, alta performance não nasce de certezas absolutas ou de decisões rápidas, ela emerge da capacidade de sustentar escolhas consistentes mesmo diante da pressão, da urgência e do ruído.

Não basta reagir aos acontecimentos, mas sim recriar os fundamentos que sustentam a cultura decisória de um país. Punir erros do passado é importante, mas insuficiente, pois o que nos interessa agora é como criar um ambiente onde decisões possam ser tomadas com mais presença, mais escuta e mais responsabilidade coletiva. Isso vale para o Congresso, para as empresas, para a educação, para as comunidades e para cada indivíduo que participa do debate público ou conduz um time.

O Brasil não vive apenas uma crise política. Vive uma crise de decisões, ou melhor, de como estamos decidindo. As manchetes mudam, os nomes mudam, os cargos mudam, mas se não mudarmos a estrutura invisível que comanda nossas escolhas seguiremos repetindo ciclos de instabilidade e frustração. O futuro de um país não é determinado apenas por seus planos, mas pela qualidade das decisões que os sustentam. E a pergunta que se impõe neste momento histórico é tão simples quanto decisiva: de onde estão vindo nossas escolhas, do medo, da consciência ou da coragem de criar o novo?

*Fernando Manfio é engenheiro, especialista em gestão de riscos, mentor de líderes e criador da metodologia Cultura Decisiva, que integra neurociência, inteligência emocional e estratégia para transformar padrões inconscientes de decisão em alta performance organizacional.

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