Unesp recebe R$ 14 milhões em projeto que vai testar inovação para o tratamento contra a tuberculose

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Projeto aprovado pela FINEP testará, com apoio de nanotecnologia, medicação por via inalatória; "temos uma hipótese sólida cuja comprovação científica virá com os experimentos", diz docente da Faculdade de Ciências Farmacêuticas

Um dispositivo semelhante a uma bombinha de asma pode, no futuro, mudar a forma como a tuberculose é tratada no Brasil. A proposta, que é coordenada por um grupo de pesquisadores da Faculdade de Ciências Farmacêuticas (FCF) da Unesp, em Araraquara, acaba de receber um investimento de cerca de R$ 14 milhões da Financiadora de Estudos e Projetos (FINEP), com apoio do Sistema Único de Saúde (SUS). O objetivo é desenvolver, nos próximos três anos, um medicamento inalável mais potente e eficaz, com potencial de substituir a terapia oral utilizada atualmente. Hoje, um paciente com tuberculose precisa ingerir até 12 comprimidos por dia, durante seis, 12 ou até 24 meses, o que acaba resultando muitas vezes em baixa adesão ao tratamento. No novo modelo, os fármacos seriam veiculados por meio de micropartículas que atingiriam diretamente os pulmões, local onde a bactéria causadora da tuberculose se instala e se protege dentro de estruturas chamadas granulomas.

“Há pelo menos duas décadas não há novidades significativas no mercado de medicamentos para tuberculose. Por isso, este projeto pode representar um salto terapêutico importante, especialmente se conseguirmos atingir as estruturas infectadas com doses menores, mais eficazes e com menos efeitos colaterais”, destaca Fernando Rogério Pavan, professor que coordena a proposta junto com Andréia Bagliotti Meneguin, Leonardo Miziara Barboza Ferreira, Lucas Amaral Machado e Marlus Chorilli, todos docentes da FCF.

A ideia inovadora e sem precedentes de tratar a tuberculose por via inalatória foi determinante para que o projeto se destacasse em um edital altamente competitivo. Submetido no âmbito do  programa "Mais Inovação Brasil Saúde - ICT" da FINEP no final de 2023, o projeto conquistou a nona colocação entre mais de 200 propostas avaliadas em todo o país.

Uma doença antiga, mas ainda letal
Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), a tuberculose voltou a ser a doença infecciosa que mais mata no mundo. Só em 2023, foram 10,8 milhões de novos casos. No Brasil, o índice de infecção é quase seis vezes superior à meta estipulada pela OMS.

De acordo com Pavan, parte do problema está no próprio regime terapêutico. “É um tratamento muito exigente, principalmente para pessoas em situação de rua, indígenas, detentos ou qualquer indivíduo com baixa estrutura de apoio. Isso contribui para o abandono e para o surgimento de bactérias mais resistentes”, alerta.

Nesses casos, o tempo de tratamento sobe para, no mínimo, dois anos, e a chance de cura  diminui para cerca de 50%.

Abordagem nanotecnológica
Chamado de INOVA TB, o projeto propõe uma nova estratégia para o tratamento da tuberculose: aproveitar os fármacos já utilizados contra a doença em um sistema que combina partículas em escala nanométrica e micrométrica com funções específicas.

“Precisamos dessa tecnologia porque os remédios convencionais têm dificuldade de penetrar no interior dos granulomas, que são estruturas localizadas no pulmão e que servem de “esconderijo” para as bactérias. O nosso objetivo é aumentar a quantidade de medicamento que consegue atingir essas áreas”, explica  Andréia Bagliotti Meneguin, docente do FCF.

O diferencial da proposta está no uso de nanopartículas feitas de compostos naturais produzidos pelos próprios pulmões (surfactantes pulmonares) capazes de transportar os medicamentos até o foco da infecção. Essas nanopartículas são encapsuladas dentro de estruturas maiores, em escala micrométrica. “Elas precisam ter um tamanho ideal: pequenas o suficiente para serem inaladas, mas grandes o bastante para não serem eliminadas logo na expiração”, detalha a professora.

Segundo os pesquisadores, a administração dos medicamentos com a ajuda de substâncias naturais vindas dos pulmões torna a proposta ainda mais promissora: “Todo remédio tem, além do princípio ativo, outros componentes chamados excipientes. Eles ajudam na produção, estabilidade e na absorção do medicamento, mas, muitas vezes, são sintéticos e não interagem bem com o organismo. Isso pode causar reações adversas e reduzir a eficiência do tratamento”, afirma o professor Lucas Amaral Machado da FCF. 

Além disso, como a nova tecnologia idealizada pelos docentes trabalha em escala nanométrica, ou seja, mil vezes menor que a espessura de um fio de cabelo, ela permite um nível de precisão que os tratamentos tradicionais não conseguem alcançar. Dessa forma, a equipe da FCF pretende usar a nanotecnologia para tornar o tratamento da tuberculose mais direto, eficaz e seguro, algo que pode representar um avanço significativo na forma como combatemos uma das doenças infecciosas mais persistentes do mundo.

Começo de uma longa jornada
Apesar de estar na etapa inicial, a pesquisa tem fases bem delimitadas, que envolvem estudos físico-químicos, avaliação da atividade antimicrobiana em laboratório e testes em modelos animais. Somente após essa etapa será possível analisar a viabilidade clínica e considerar o início de ensaios em humanos.

“Por ora, temos uma hipótese sólida cuja comprovação científica virá com os experimentos”, explica o professor Lucas.

Além de abrir novas possibilidades terapêuticas, o projeto contribuirá para o fortalecimento da infraestrutura da FCF já que os recursos da FINEP serão destinados à aquisição de equipamentos de ponta, como um tomógrafo de alta resolução para pequenos animais, que estará disponível para toda a comunidade acadêmica.

De acordo com o professor Leonardo Miziara Barboza Ferreira da FCF, a expectativa é de que a tecnologia desenvolvida possa futuramente ser aplicada a outras doenças com relevância em saúde pública, como Covid-19, pneumonias, asma e outras condições crônicas. 

O projeto também terá impacto direto na formação de recursos humanos, com a previsão de bolsas de iniciação científica, mestrado, doutorado e pós-doutorado. “Mesmo que o produto final leve tempo para se concretizar, o legado científico e formativo será imediato. E, caso a hipótese se confirme, o Brasil poderá contar com uma solução nacional, acessível e de impacto real no SUS”, conclui Ferreira.

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