Discriminação de funcionários é falta de decoro e resvala no ilegal

 Artur Marques da Silva Filho*



 

O preconceito e a discriminação por raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional são crimes no Brasil, conforme a Lei 9.459, de 13 de maio de 1997. Pode-se, por analogia e hipótese, incluir nesse delito a diferenciação depreciativa entre pessoas pela natureza de sua profissão e cargos que ocupam.

 

Há farto conteúdo da Ciência do Direito e do acervo de leis para se analisar sob o aspecto legal a afirmação do presidente Jair Bolsonaro de que “as outras categorias do funcionalismo público são o grande problema que impede uma fatia maior de reajuste à Polícia Rodoviária Federal”. E mais: “A questão não é o nosso lado. São os outros servidores que não admitem reestruturar vocês sem dar aumentos até abusivos para o outro lado” (seria o chefe de Estado também remanescente dessa corporação, além de capitão do Exército?).

 

No mínimo, independentemente de ter ou não praticado crime de preconceito e discriminação, Bolsonaro contrariou a Constituição Federal, que veta genericamente todo tipo de diferenciação entre pessoas. Além disso, feriu, de modo claro, o decoro do cargo. Ao exaltar “uns” e depreciar “outros”, resgatou uma estética semântica que lembra regimes de triste e deplorável memória, hoje em decomposição na lata do lixo da História mundial.

 

As palavras do presidente foram depreciativas para copeiros, faxineiros, seguranças, professores, economistas, administradores, policiais civis, militares e federais não rodoviários, garis, profissionais da saúde, integrantes das Forças Armadas, contadores, pesquisadores e cientistas, diplomatas, magistrados, promotores, defensores públicos, procuradores, ocupantes de cargos administrativos, engenheiros e todos aqueles que, desempenhando funções no Estado, prestam serviços à sociedade.

 

Os servidores públicos dos municípios, dos estados e da União, incluindo os policiais rodoviários federais, que não podem ser estigmatizados pela incontinência verbal de ninguém, desempenham funções de extrema importância. Seu trabalho, enfatizado em todas as frentes na luta contra a pandemia, é decisivo para mover a economia e garantir que o Estado sirva os brasileiros em todas as áreas, apesar dos problemas existentes na infraestrutura física e da máquina administrativa, sobre os quais não cabe aqui discorrer.

 

Eleito de maneira legítima pelo voto livre e soberano, o presidente da República exerce o poder em nome do povo. Assim, no exercício do cargo, não pode manifestar preferências pessoais, estabelecer diferenças e depreciar categorias profissionais vinculadas ao Estado. Ao fazê-lo, além de eventuais transgressões legais, éticas e estatutárias do funcionalismo e da quebra do decoro, dá um péssimo exemplo à população e à juventude e produz mais manchetes negativas sobre nosso país na imprensa internacional.

*Artur Marques da Silva Filho é desembargador aposentado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, e presidente da Associação dos Funcionários Públicos do Estado de São Paulo (AFPESP).
 


Sobre a AFPESP

A Associação dos Funcionários Públicos do Estado de São Paulo (AFPESP) é uma entidade sem fins lucrativos e direcionada ao bem-estar dos servidores civis estaduais, municipais e federais atuantes do território paulista. Fundada há nove décadas, é a maior instituição associativa da América Latina, com mais de 244 mil associados.
 

Está presente em mais de 30 cidades. Tem sede e subsede social no centro da capital paulista, 20 unidades de lazer com hospedagem em tradicionais cidades turísticas litorâneas, rurais e urbanas de São Paulo e Minas Gerais, além de 19 unidades regionais distribuídas estrategicamente no Estado de São Paulo.

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