A queda acentuada na temperatura em boa parte do Brasil essa semana tomou conta do noticiário, movimentou as rodas de conversa e abriu a antessala de 10 entre 10 reuniões virtuais. Mais do que uma condição meteorológica, no entanto, exibiu as faces diversas de uma mudança no clima. Morremos de frio. E essa não é apenas um hipérbole. No âmbito econômico, ainda que não haja ameaça de desabastecimento, como garante o Ministério da Agricultura, a geada pressionou os preços dos alimentos e isso se soma a um cenário já complexo para a inflação deste ano, que pode fechar 2021 como a mais alta desde 2015, quando bateu 10,67%. Ou seja: vai faltar alimentos na mesa dos mais vulneráveis mesmo que o ministério negue e que isso ocorra de forma indireta. Além disso, se o lado econômico preocupa e gera impactos sociais por vias indiretas, essa mudança do clima expõe diretamente o flagelo de populações vulneráveis. Enquanto na nossa banal desigualdade social distópica, o frio vira tema de conversas amenas, desloca afoitos ávidos por neve para turistar em Gramado e Canela (RS), e leva cariocas a comprar gorros, o frio mata. Em matéria especial sobre os “migrantes da pandemia”, a Folha expõe o aumento de pessoas (sub) vivendo na rua. Perderam arrimos de família e, sem teto, foram para baixo de viadutos e armaram suas tendas ao relento. Na verdade, não. Não é o frio que mata, como bem analisa Thiago Amparo. “Não é o frio que mata a população em situação de rua: é o capitalismo (...) Em SP morre-se mais da ausência de políticas de moradia do que de frio.” Trazendo a coerência de seu raciocínio em relação à mudança do clima vivenciada essa semana para uma esfera global, entendemos que essa é apenas uma amostra do que estamos vivendo sem perceber em relação às mudanças climáticas. E diferenciar a mudança do clima, da mudança climática, não se trata de uma diferença semântica. E sim de fenômenos distintos relativos às oscilações de temperatura. Um no curto e outro no longo prazo. O primeiro é um efeito da natureza que não controlamos. Mas eles se tornam cada mais intensos e frequentes, na medida que não agimos enquanto indivíduos, empresas, governos e países, para evitar o segundo. Philip Stephens, trata da inação mundial e diz que existe a política do clima e existem as políticas do clima. Também não é só uma questão semântica. “Não chegaremos a lugar nenhum sem as metas de eliminação dos combustíveis fósseis que serão discutidas na CoP-26. Mas não iremos além da discussão se os governos não definirem estratégias e mobilizarem recursos para tornar as metas viáveis. Não há muito tempo para isso. É só olhar para o clima.” É uma boa reflexão para ter em mente no dia em que três grandes petroleiras deverão anunciar seus resultados relativos ao segundo trimestre. O professor José Eli da Veiga põe o dedo na ferida: “Não existe net zero”. “No âmbito corporativo, pululam iniciativas de marketing tentando convencer o público de que recuperação de florestas, produção de energia renovável e/ou compras de créditos de carbono amortizariam as emissões desta ou daquela empresa. Algumas chegam até a proclamar que já são “net zero”. Porém, o efeito disto tudo foi o esmorecimento dos cortes de emissões, trocados por contestáveis promessas de remoções. Não surgiram métodos confiáveis para serem auditadas as estimativas de futuros efeitos de expansões da cobertura vegetal e, muito menos, eficazes tecnologias de sequestro.” Resumindo: estamos fingindo fazer alguma coisa, enquanto fingimos que acreditamos nas compensações de carbono, e os governos fingem discutir políticas públicas de redução de emissões em cúpulas do clima. Fingir é fugir do problema. E essa também não é apenas uma licença semântica. Boa leitura. Bom final de semana. |
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