Gaudêncio Torquato, jornalista, professor titular da USP é consultor político e de comunicação. Twitter: @gaudtorquato - Acesse o blog www.observatoriodaeleicao.com
O
Covid-19 deixará um rastro de destruição sobre a Humanidade. Negócios
serão aniquilados, empreendimentos deverão ser remodelados, o saber
deixará de ganhar valiosos avanços, milhões de crianças perderão tempos
preciosos na aprendizagem, a pobreza cobrirá o planeta com sua
devastadora capacidade de aumentar as desigualdades sociais, a angústia e
a depressão vestirão milhões, senão bilhões, de pessoas com o manto da
tristeza. O planeta atrasará em muito seu ritmo de avanços. Há quem faça
projeções mais otimistas, como essas que sinalizam descobertas
revolucionárias na medicina, com a chegadas das vacinas, a integração
solidária entre as Nações no esforço de encontrar armas eficazes para
combater as doenças e seus surtos, maiores investimentos em saúde e no
bem-estar das pessoas.
É
razoável apostar, sim, em passos adiante. Mas não há como deixar de
reconhecer o atraso na vida educacional de uma geração, obrigada a
permanecer em casa, mesmo assistindo as aulas por meios virtuais. Aliás,
esse ensinamento à distância, seja para crianças, jovens e adultos,
deixa muito a desejar. Vejamos as aulas para jovens, por exemplo. Passar
quatro horas ouvindo um ou dois professores, em sequência, ministrando
aulas para uma plateia virtual, lendo seus escritos - mesmo bem
fundamentados - é um exercício cansativo e pesaroso. Poucos prestam
atenção ao pensamento do mestre, a interação é muito escassa, o diálogo,
peça essencial na aprendizagem, se perde na cadência monótona do
bombardeio mental. Imaginem o que significa o atraso de um semestre, de
um ano, na vida de um estudante. Ou mesmo a defasagem educacional que
perseguirá sua trajetória, a não ser que faça extraordinário esforço,
mais adiante, para recuperar os passos perdidos. E mais: se essa
metodologia de ensino virtual for adotada nos tempos pós-pandêmicos,
haverá de ser bem recauchutada.
Milhões
de micros, pequenos e médios negócios fecharão as portas. O pequeno
empresariado tem pela frente o desafio de recomeçar, talvez em outras
áreas, os seus afazeres. Reconstruir o que foi perdido. Remontar o que o
bichinho microscópico corroeu. Os gigantescos conglomerados também
sofrem, mas os grandes círculos de negócios sempre arrumam um jeito de
perder aqui e ganhar ali, no jogo de oportunidades que eles tão bem
dominam.
No
plano espiritual, os danos maltratam mentes e corações na forma de
impactos emocionais e racionais. Quantas pessoas estão desabando no
despenhadeiro da depressão, da angústia e da tristeza, quando em suas
redomas repassam suas vidas, o tempo perdido em apostas sobre o futuro,
em uma cadeia de ilusões que se desfazem nas correntes de vento que
balançam a vida. O que fazer, como refazer, tem sentido pensar em um
novo modus vivendi, que lógica conduzirá meus passos amanhã?
Claro, milhões de pessoas não serão atingidas pelo vírus da depressão.
Continuarão suas vidas sem acréscimo de uma vírgula aos capítulos de seu
cotidiano. Certas camadas são insensíveis às intempéries da vida.
Mas
volto os olhos aos imensos contingentes que pensam muito sobre o
circuito de sua existência. Que sofrem em ver tantas injustiças, que se
tomam de indignação contra a corrupção na política, que não se conformam
com a facilidade como as massas são manipuladas, com os desvarios de
governos, pessoas que têm grande dom de se expressar e pequena motivação
para agir. Penso nos milhões que estão fora da mesa do consumo,
padecendo sua fome em acampamentos em terras isoladas e devastadas por
guerras, nos milhões de crianças recém-nascidas que não chegam a viver
para compreender o que são e onde estão.
São
pensamentos e reflexões na crise. E aqui por nossas plagas, o que
poderá acontecer? Se os tempos fossem normais, a hipótese se
configuraria como verdadeira: Jair Bolsonaro não completaria o mandato. O
repertório de situações absurdas e a ineficiência de seu governo
abasteceriam os estoques de contrariedade no meio da sociedade e a
pressão sobre a esfera política para sua defenestração assumiria
intensidade inigualável. Mas em tempo de pandemia, qualquer ato político
impactante semeará caos no país. A alternativa que resta é a pressão
por mudanças: no comportamento do presidente, na motivação dos políticos
para dar continuidade às reformas, na força aos governos e municípios
para que possam ser bem-sucedidos em sua guerra contra o Covid-19.
Quanto
às eleições de novembro – na crença de que serão adiadas –, que os
candidatos reflitam sobre seu discurso, sua maneira de se apresentar ao
eleitorado e procurem realizar um ato de contrição. Sejam simples,
modestos, honestos e sinceros. Amanhã será outro dia.
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