Por coronavírus, Justiça autoriza PM a registrar ocorrências sem delegados

24/04/20 por Arthur Stabile

PMs estão desobrigados de levar parte das ocorrências com adolescentes às delegacias de Jales e Urânia (SP); para Sindicato dos Delegados, decisão é inconstitucional
Decisão vale para a região de Urânia, no noroeste paulista | Foto: Divulgação/SSP
A Justiça de São Paulo decidiu que a Polícia Militar pode registrar boletins de ocorrência envolvendo adolescentes durante a pandemia de Covid-19 em Urânia e Jales, no interior oeste do estado. Assim, a tropa não precisa levá-los ao delegado de polícia, responsável pelo registro dos casos.
O pedido partiu do capitão Alex Akisani Tominaga, comandante da 2ª Companhia de PM de Jales, distante 586 quilômetros da capital paulista, e vizinha de Urânia. Segundo ele, a ideia é evitar “conduções desnecessárias” durante a pandemia de coronavírus.

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Em sua argumentação, o comandante alegou que os policiais militares e viaturas “podem ser vetores de transmissão” e, por isso, pedia que a própria PM pudesse encaminhar diretamente os casos “menos graves, mesmo que em situações flagranciais”, para a Vara da Infância e Juventude.
A juíza Marcela Corrêa Dias de Souza, da Comarca de Urânia, acatou o pedido (leia a decisão clicando aqui) do capitão Tominaga no dia 13 de abril com validade até o fim do isolamento social. Na sexta-feira passada (17/4), o governador João Doria (PSDB) ampliou o prazo de isolamento até o dia 11 de maio.
Segundo a juíza, os PMs devem tentar formas alternativas de apresentá-lo ao delegado de polícia, como por vídeo chamada, mas estão liberados para registrarem eles mesmos as ocorrências.

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Os militares só podem fazer o documento com a presença dos pais ou responsáveis legais no local da elaboração. Em seguida, encaminhar o documento ao juízo da Infância e Juventude e cópia para a delegacia responsável pela região.
“Posto isso, destaca-se que estamos vivendo um período atípico de pandemia, e diversas medidas estão sendo tomadas pelas autoridades de todos os setores para conter a disseminação do Covid-19, ocasionada pelo novo coronavírus”, argumenta a magistrada.
A decisão provocou reação de representantes da Polícia Civil. O Sindicato dos Delegados de Polícia do Estado de São Paulo enviou reclamação à Corregedoria Geral da Justiça paulista, alegando que a decisão é inconstitucional.

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De acordo com o sindicato, chefiado pela presidenta Raquel Kobashi, autorizar a PM de registrar ocorrência sem passar pela Polícia Civil “tipifica crimes de usurpação de função pública e abuso de autoridade”.
A alegação é a de que, se a PM cumprir tal função e ela própria encaminhar o registro à Justiça, ultrapassaria “os limites das suas atribuições de polícia ostensiva e de preservação da ordem pública” estabelecidos na Constituição.
O advogado e ex-integrante do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda) Ariel de Castro Alves concorda com a avaliação de Raquel sobre as atribuições da PM, contudo considera que a decisão é plausível dado o cenário de pandemia. “Estamos num período excepcional, medidas que previnam contaminações devem ser priorizadas. Desnecessário o deslocamento dos jovens até as delegacias para cumprimento de procedimentos meramente burocráticos, em casos de acusações de atos infracionais sem violência ou grave ameaça”, afirma.
Ariel destaca que o ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) prevê celeridade nos atos administrativos e da área da infância, e que os registros podem ser posteriormente questionados pelos órgãos competentes. “É uma situação extraordinária imposta por um momento excepcional. É mais adequado, sim, que os policiais militares façam o registro e liberem na presença dos pais e responsáveis. Esses registros serão encaminhamos para delegacias, promotoria, Vara da Infância e Juventude, que poderão questioná-los e avaliar a aplicação de medida socioeducativa”, pondera.

Outro lado

A Ponte questionou a SSP sobre o pedido do comandante da PM de Jales, a decisão favorável da Justiça e a reclamação de representantes da Polícia Civil e a InPress, assessoria de imprensa terceirizada da secretaria, respondeu que “A pasta não comenta decisões judiciais”:
As seguintes perguntas foram enviadas:
A SSP concorda com a decisão da magistrada?
A secretaria vê alguma irregularidade em PMs registrarem B.O.s, atribuição da Polícia Civil?
A pasta dialogou com as partes envolvidas, caso do comandante da 2ª Cia de Jales e representantes da Polícia Civil? Caso sim, qual o resultado da conversa?
Na argumentação, o capitão Tominaga argumenta que o pedido visa evitar a contaminação por Covid-19 em “conduções desnecessárias”. A SSP considera apresentar um adolescente infrator à autoridade policial como condução desnecessária?
Quais medidas tomadas pela SSP junto à Civil para evitar contaminações em atendimentos?
Qual protocolo de segurança dos policiais civis em plantão?

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