Será lei a partir de 10 de março: como os ginecologistas e obstetras veem a notificação compulsória em caso de violência contra a mulher
Segundo
a Lei n° 13.931, publicada no Diário Oficial da União, em 11 de
dezembro de 2019, os agentes de saúde que se depararem com casos de
indício ou confirmação de violência contra a mulher em serviços públicos
ou particulares de atendimento, a partir de 10 de março de 2020,
deverão notificar os centros de vigilância epidemiológica e comunicar
as autoridades policiais em até 24 horas.
A
medida levantou discussões sobre a perda da autonomia feminina, o risco
à segurança da paciente e, ainda, a questão do sigilo médico. A dra.
Maria Rita, Diretora de Valorização e Defesa Profissional da Associação
de Obstetrícia e Ginecologia do Estado de São Paulo (SOGESP), e a
advogada Juliana Kozan, assessora jurídica da instituição, comentam a
decisão.
“O
objetivo dessa lei é combater a violência contra a mulher, uma questão
muito séria em nosso país. Por outro lado, existe o risco de prejudicar o
atendimento das vítimas, que podem deixar de buscar o serviço de saúde
para evitar a notificação e a comunicação à polícia. Mas, a despeito dos
prós e contras, a lei atingirá diretamente os médicos e deverá ser
cumprida”, opina Kozan.
Mulheres
que sofrem qualquer tipo de violência tendem a evitar o assunto,
dirigindo-se a clínicas e hospitais apenas em casos extremos de
agressão. Em razão do sigilo médico, grande parte das pacientes sentem
maior tranquilidade em compartilhar suas vivências com profissionais
médicos e de sua confiança. Contudo, a notificação compulsória e
principalmente a comunicação à autoridade policial, sem consentimento da
mulher, pode ferir a autonomia feminina além de promover inibição da
procura aos serviços de saúde com prejuízo à assistência adequada.
A
dra. Maria Rita ressalta a importância do primeiro contato entre o
médico e a vítima de agressão, dando ênfase ao acolhimento, às
orientações e aos esclarecimentos quanto a possibilidade de denúncia e a
obrigatoriedade médica da notificação compulsória, segundo a nova lei.
“É fundamental enfatizar que a mulher estará dando subsídios aos
serviços governamentais para agirem no foco do problema”.
Os
dados serão compartilhados com a Secretaria de Estado de Saúde e com a
Secretaria de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde, a fim de gerar
estatísticas que fomentem políticas públicas efetivas de combate à
violência.
A
diretora de Valorização e Defesa Profissional também destaca que,
apesar de a lei tornar obrigatória a notificação à vigilância e a
comunicação à autoridade policial, o médico não deve entregar o
prontuário da paciente, sem a expressa autorização dela. Essa resolução
está expressa na nota técnica n° 3/2016 do Conselho Federal de Medicina.
Como
recomendação, a SOGESP incentiva os médicos a questionarem os diretores
técnicos dos estabelecimentos de saúde, responsáveis pelo funcionamento
do serviço perante as autoridades, sobre as medidas burocráticas
necessárias, além de informarem quaisquer dificuldades que estiverem
enfrentando durante o processo.
“Isso
para que, quando a lei entrar em vigor, o profissional não seja pego de
surpresa e as instituições já tenham organizado um formato eficiente
que não prejudique a assistência”, explica Kozan. Dra. Maria Rita
completa: “A SOGESP não tem o objetivo de trabalhar somente com ações
voltadas às atualizações cientificas dos associados, mas também
valorizar o exercício profissional e dar suporte jurídico, ético e
legal, ajudando-os de forma efetiva”.
SOBRE A LEI
A
nova legislação alterou a Lei nº 10.778/2003, que já estabelecia a
obrigatoriedade de notificação compulsória de casos de violência contra a
mulher, para fins de coleta de informações para melhorar o atendimento e
fomentar políticas públicas. Mas a notificação, com caráter sigiloso,
ficava restrita ao sistema de saúde. As mudanças são que a notificação
compulsória deverá ser feita mesmo se houver apenas indícios de
violência, bem como a comunicação do caso à autoridade policial.
A
Lei define violência contra a mulher como “qualquer ação ou conduta,
baseada no gênero, inclusive decorrente de discriminação ou desigualdade
étnica, que cause morte, dano ou sofrimento físico, sexual ou
psicológico à mulher, tanto no âmbito público quanto no privado”, caso
tenha ocorrido em qualquer das situações a seguir:
·
dentro da família ou unidade doméstica ou em qualquer outra relação
interpessoal, em que o agressor conviva ou haja convivido no mesmo
domicílio que a mulher e que compreende, entre outros, estupro,
violação, maus-tratos e abuso sexual;
·
na comunidade e seja perpetrada por qualquer pessoa e que compreende,
entre outros, violação, abuso sexual, tortura, maus-tratos de pessoas,
tráfico de mulheres, prostituição forçada, sequestro e assédio sexual no
lugar de trabalho, bem como em instituições educacionais,
estabelecimentos de saúde ou qualquer outro lugar; e
· onde quer que ocorra, se perpetrada ou tolerada pelo Estado ou seus agentes.
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