O corpo de José Francisco Lumes, o Zé de Lessa,
chegou, na madrugada deste sábado (7), à cidade de Mulungu do Morro, na
região da Chapada Diamantina. O enterro do criminoso considerado a
maior carta do "Baralho do Crime" da Secretaria de Segurança Pública da
Bahia (SSP-BA) será nesta tarde. A região teve festas canceladas e a
segurança foi reforçada após ameças de ataques de traficantes.
Apontado como líder da facção Bonde do Maluco (BDM), o então bandido mais procurado do estado, foi morto na última quarta-feira (4),
em uma área rural do estado do Mato Grosso do Sul, onde vivia em
condição de foragido, após ter seu esconderijo descoberto pelos
policiais.
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Chácara onde Zé de Lessa foi morto, junto com mais quatro comparsas, no Mato Grosso do Sul
(Divulgação) |
O corpo foi trazido de avião
até Salvador, segundo o coordenador regional de Polícia Civil de Seabra,
Marcus Araújo, e depois seguiu, por estrada, até Mulungu. Zé de Lessa
nasceu num povoado conhecido como Recife, em Carfanaum, também na região
da Chapada. Desde a morte do criminoso, pelo menos oito festas foram
canceladas, depois que áudios supostamente gravados por comparsas serem
transmitidos.
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Líder do BDM, José Francisco Lumes, o Zé de Lessa, nasceu em Carfanaum, cidade do centro-norte do estado (Foto: Reprodução) |
Nas
gravações, eles ameaçam qualquer evento que desrespeite o enterro do
“Veinho”, como era chamado. De acordo com Marcus, no entanto, nenhum
barzinho ou comércio de Seabra deixou de funcionar depois das ameaças.
“Ontem, a cidade estava normal. As festas foram canceladas por medo, mas temos um esquema especial na região”, explicou por telefone.
Esquema de segurança
Não haverá esquema especial de segurança para o enterro, exceto o que já está em curso desde os primeiros áudios vazados.
Não haverá esquema especial de segurança para o enterro, exceto o que já está em curso desde os primeiros áudios vazados.
Coordenador da Polícia Civil de Irecê, responsável
pela área onde acontecerá o enterro, Almir Fernandes afirmou que há
companhias de polícia especializadas na região.”
“O que acontece é que já tem um esquema de reforço. Já tem um esquema normal envolvendo a PM, e toda a região no entorno. Mas esquema para enterro não terá”, frisou.
Alerta
Com a morte de Zé de Lessa, foi emitido um alerta pelo Serviço de Inteligência (SI) da Secretaria de Segurança Pública (SSP) para que os agentes ficassem atentos a possíveis ataques do BDM em todo o estado.
Com a morte de Zé de Lessa, foi emitido um alerta pelo Serviço de Inteligência (SI) da Secretaria de Segurança Pública (SSP) para que os agentes ficassem atentos a possíveis ataques do BDM em todo o estado.
A intenção é deixar os agentes em stand-by no final
de semana, quando há uma redução do efetivo. “Não estamos falando de um
bandido qualquer e, sim, do líder de uma das maiores facções do estado e
que costumava agir com muita violência”, disse uma fonte da SSP ao
CORREIO e que preferiu não revelar o nome. Uma das ações recentes da facção resultou na morte de uma pessoa e outras duas feridas em São João do Cabrito.
Zé de Lessa foi morto num confronto na manhã
de quarta-feira (4) pela polícia, no estado do Mato Grosso do Sul, e era
o Ás de Ouros do Baralho do Crime da SSP, um arquivo que reúne os
principais criminosos do estado. Ele tinha envolvimento com ataques a
bancos, assaltos a carros-fortes, sequestro e tráfico de drogas. Zé de
Lessa estava escondido no Paraguai. Em 2018, ele conseguiu fugir de uma
caçada policial.
Procurada, a assessoria de comunicação da SSP negou o
alerta e informou que o policiamento no estado não será reforçado.
Apesar disso, a fonte disse ao CORREIO que a possível represália do BDM
foi o principal assunto de uma reunião que aconteceu na tarde desta
sexta-feira (6) com agentes do Departamento de Homicídios e Proteção à
Pessoa (DHPP). A reunião acontece, habitualmente, todas as sextas para
discutir as ações no final de semana com assuntos de repercussão, como
chacinas, crimes sexuais e casos de repercussão.
“A nossa preocupação é com a taxa de
homicídios que pode subir por causa dos seus soldados e com outras ações
de costume da facção como ataques a ônibus, bloqueio de pistas e
explosões de instituições financeiras”, disse a fonte ao CORREIO.
A fonte contou ainda que um dos pontos da reunião é
saber quem será o sucessor de Zé de Lessa. “Ainda não há um nome forte,
alguém do grupo que esteja em evidência, que seja conhecimento do
departamento (DHPP). Por isso vamos nos reunir para cruzar as
informações de cada área de atuação nossa e mapear os nomes que podem
chegar à liderança da facção”, declarou a fonte.
O outro assunto é a ação dos rivais. Com a morte de
Zé Lessa, a estrutura da facção tende a declinar. “O que a gente sabe é
que tudo passava por ele. Era um centralizador. Agora, a tendência é um
ataque dos rivais, o que é óbvio. Atualmente, o maior rival é o CP [a
facção Comando da Paz] e vai procurar o lugar mais vulnerável. Mas tem
lugares que são impossíveis, como na Mata Escura, pois os soldados de lá
estão bem armados”, explicou a fonte.
A morte do líder da BDM
Centenas de homicídios e tentativas do mesmo crime, extorsão mediante sequestro, roubos a bancos, carros-fortes e transportadora de valores, tráfico de drogas, armas e munições, associação ao tráfico, falsidade ideológica e corrupção de menores.
Centenas de homicídios e tentativas do mesmo crime, extorsão mediante sequestro, roubos a bancos, carros-fortes e transportadora de valores, tráfico de drogas, armas e munições, associação ao tráfico, falsidade ideológica e corrupção de menores.
Por esses crimes e pela violência que empregava à
frente da facção Bonde do Maluco (BDM), cuja base é em Salvador e Região
Metropolitana, com ramificações no interior do estado, o baiano José
Francisco Lumes, o Zé de Lessa, era considerado pelas autoridades
públicas como o maior criminoso em atuação na Bahia.
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(Foto: Divulgação) |
Há
um ano que Zé de Lessa estava numa chácara numa área de fronteira com o
Paraguai muito frequentada por traficantes, entre as cidades de Aral
Moreira e Coronel Sapucaia, no sul do Mato Grosso do Sul.
Os policiais chegaram até o local após Zé de Lessa e
seu bando tentarem explodir um carro-forte da empresa Brink’s na manhã
de segunda-feira (2).
O crime foi realizado na rodovia MS-156, entre as
cidades de Caarapó e Amambai, mas os bandidos fugiram sem levar nada
porque os explosivos não foram capazes de abrir a porta do veículo
blindado. A polícia suspeita que tenha havido alguma falha durante a
explosão.
De acordo com a Polícia Civil de Mato Grosso do Sul,
Zé de Lessa e seu bando, em 2017, já tinham cometido o mesmo crime e
contra a mesma empresa. Não foi informado se naquela ocasião alguma
quantia foi levada.
Desta vez, não demorou nem 24 horas para o
esconderijo de Zé de Lessa ser localizado pela polícia, que desde
terça-feira (3) já observava o local, aguardando o momento certo para
entrar na chácara.
A propriedade rural pertencente a Alcindo Oliveira
Coinete, funcionário público da Prefeitura de Coronel Sapucaia e que foi
preso. Segundo a polícia, ele dava suporte logístico ao bando de Zé de
Lessa e tem participação direta na tentativa de explosão ao carro-forte
da Brink’, na segunda.
Muitos tiros
Com mandados de busca e apreensão, a polícia invadiu a chácara nas primeiras horas da manhã e, segundo relata o delegado Fábio Peró, titular da Delegacia de Repressão a Roubo a Banco, Assaltos e Sequestros (Garras), eles foram recebidos a tiros.
Com mandados de busca e apreensão, a polícia invadiu a chácara nas primeiras horas da manhã e, segundo relata o delegado Fábio Peró, titular da Delegacia de Repressão a Roubo a Banco, Assaltos e Sequestros (Garras), eles foram recebidos a tiros.
“Foi muito tiro trocado”, ele disse. “Vieram tiros
tanto dos criminosos que estavam na chácara quanto de traficantes do
Paraguai, pois lá é divisa com o Brasil, muitos foragidos da Justiça
ficam naquela região e também nos atacaram”.
A chácara tem estrutura simples, com paredes de
bloco sem reboco, telhados de zinco na frente, de chão batido ao redor e
próximo a ela há mais dois casebres de madeira. Dentro dela havia
poucos móveis, todos simples, sem luxo algum.
Após a troca de tiros, Zé de Lessa foi encontrado
com duas escopetas calibre 12 e uma pistola 9 mm perto dele. Os outros
bandidos não foram identificados.
Na casa morava também uma índia cujo nome a polícia
não informou. Ela era mulher de Zé de Lessa e disse em depoimento que
eles estavam na chácara há mais de um ano. A mulher, basicamente, era
responsável por fazer a comida dos bandidos e cuidar da casa. Ela foi
liberada após prestar depoimento.
Durante a troca de tiros, um bandido conseguiu fugir
pelo matagal, mas acabou sendo localizado pelo Grupo de Patrulhamento
Aéreo da Secretaria de Segurança Pública do Mato Grosso do Sul.
O bandido, também não identificado, estava com fuzis
e uma metralhadora ponto 50, que, segundo a polícia, tem capacidade de
perfurar carros-fortes e helicópteros. Segundo o delegado Fábio Peró, o
criminoso foi perseguido tanto por via aérea quando por equipes que
estavam em terra. “Quando nos aproximamos, fomos recebidos à bala e ele
atirou inclusive no helicóptero”, disse.
Próximo ao local onde o bandido estava, a polícia
encontrou diversas armas de grosso calibre, como dois fuzis 556, um
fuzil AK46 calibre 762, duas escopetas calibre 12 e uma pistola 9
milímetros, além de farta munição para essas armas e coletes a prova de
bala. O bandido morreu no local. O armamento, segundo a polícia, foi
usado na ação criminosa de segunda-feira passada contra o carro-forte da
Brink’s.
Repercussão
O secretário de Segurança Pública da Bahia, Maurício Barbosa, ao comentar a morte de Zé de Lessa, deu um “graças a Deus” pelo fato de a polícia do Mato Grosso do Sul ter tirado o bandido de circulação.
O secretário de Segurança Pública da Bahia, Maurício Barbosa, ao comentar a morte de Zé de Lessa, deu um “graças a Deus” pelo fato de a polícia do Mato Grosso do Sul ter tirado o bandido de circulação.
“Estávamos há alguns anos trocando informações com a Polícia Federal e inclusive com a Polícia do Paraguai. Sabíamos que ele estava lá, trazendo droga para abastecer o BDM aqui no nosso estado e por algumas oportunidades nós tivemos quase próximos de pegá-lo”, declarou.
“Graças
a Deus, a polícia do Mato Grosso do Sul nessa ação conseguiu tirar ele
de circulação", celebrou Barbosa, em áudio enviado ao CORREIO. O
secretário está na Aústria, onde participa de viagem institucional para
compra de novos armamentos.
Ele disse ainda que é um “alívio” saber da morte e
que agora a polícia baiana vai verificar se há informações sobre a
passagem de Zé da Lessa no MS que indique alguma nova criminalidade na
Bahia.
“Para nós, é um alívio e agora é trabalhar em cima
das informações que eles detém lá. Já pedimos para a inteligência [da
SSP-BA] averiguar o que tinha com ele, quem estava andando com ele para
ver se tem a informação de prática de outros crimes aqui no estado”,
declarou.
Roubo de R$ 100 milhões
Um dos maiores roubos a banco do Brasil foi comandado por Zé de Lessa. O crime ocorreu no dia 25 de novembro de 2018, em Bacaba, no Maranhão. Um grupo de 30 a 35 bandidos levou R$ 100 milhões do Banco do Brasil.
Um dos maiores roubos a banco do Brasil foi comandado por Zé de Lessa. O crime ocorreu no dia 25 de novembro de 2018, em Bacaba, no Maranhão. Um grupo de 30 a 35 bandidos levou R$ 100 milhões do Banco do Brasil.
Na ação criminosa, morreram três bandidos, um deles
Edielson Francisco Lumes, irmão de Zé de Lessa, atingido após sair de um
veículo blindado e trocar tiros com a polícia.
Edielson, segundo a polícia, tinha a função de subchefe do grupo e repassava as ordens de Zé de Lessa à quadrilha.
Zé de Lessa era o Ás de ouro do Baralho do Crime da
Secretaria de Segurança Pública da Bahia, um arquivo que reúne os
principais criminosos do estado. Ele começou na vida do crime fazendo
assalto a instituições financeiras.
Foi preso algumas vezes e a última vez que saiu da
prisão, em 2014, foi para terminar de cumprir a pena no regime
domiciliar. De Coronel Sapucaia, enviava carregamentos de drogas para
abastecer sua quadrilha na Bahia.
Ele criou o BDM dentro da cadeia e logo sua facção
passou a ganhar destaque. Tornou-se o principal rival da facção Katiara,
comandada por Roceirinho, e passou a disputar pontos de droga com o
rival. Ele tem entre seus principias comparsas alguns parentes.
Ninguém sabe, ao certo, quando José Francisco Lumes
virou Zé de Lessa. A alcunha, para o delegado Fábio Marques, da Polícia
Federal, em entrevista ao CORREIO em dezembro do ano passado, pode estar
ligada a um possível apelido do pai de Zé de Lessa - Idalécio, o
genitor, seria o Lessa.
“Geralmente, o apelido é relacionado ao pai,
principalmente com o pessoal do interior”, declarou o delegado, que
investiga o BDM. Um exemplo desse tipo de apelido, segundo ele, é o de
Paulo de Magnólia, alcunha de Paulo Pereira Amorim, preso em 2015 e
acusado de assalto a banco em quatro estados.
Em 2015, o delegado Jorge Figueiredo chegou a dizer que ele era o maior assaltante de bancos e carros-fortes da Bahia.
Mas seus cinco processos encontrados pelo CORREIO no
Tribunal de Justiça da Bahia (TJ-BA), todavia, são relacionados ao
tráfico de drogas. Nos processos, a quadrilha comandada por ele é
descrita como de “extrema periculosidade”.
Por tráfico, Zé de Lessa foi preso provisoriamente
em 28 de março de 2001, na Penitenciária Lemos de Brito (PLB). Em
janeiro de 2002, foi condenado a cinco anos de prisão pela 1ª Vara de
Tóxicos.
Em 2005, teve progressão de pena para o regime
semiaberto, mas já em fevereiro daquele ano, fugiu da prisão. Meses
depois, em outubro, foi preso em flagrante.
Passou pela Unidade Especial Disciplinar (UED) e,
mais tarde, pela mesma PLB. Em novembro de 2006, recebeu outra
condenação – dessa vez, por porte de arma.
Foram anos de idas e vindas entre as unidades
prisionais da Região Metropolitana (RMS), com notícia de faltas
disciplinares enquanto estava na UED. Em 2013 e em 2014, de acordo com o
Ministério Público do Estado (MP-BA), foram encontrados, no presídio,
materiais ilícitos atribuídos a ele: eram dispositivos de comunicação,
como chips e telefones celulares.
Naquele mesmo ano de 2014, Zé de Lessa sofreu uma
tentativa de homicídio na prisão. “Ele sofreu várias pauladas. Vários
presos tentaram matá-lo lá dentro, exatamente porque tinha essa questão
de liderança dele, pela representatividade”, lembrou ao CORREIO, em
2018, o promotor Pedro Araújo Castro, titular da 2ª Vara de Execuções
Penais desde 2013.
É justamente em 2014 que ocorre o episódio mais
controverso da trajetória de Zé de Lessa com a Justiça: em 15 de julho
daquele ano, o desembargador Aliomar Silva Britto autorizou que ele
tivesse prisão convertida em prisão domiciliar.
Na decisão, o desembargador cita que a defesa do
então detento explica que Zé de Lessa estava com “uma doença
degenerativa, necessitando urgentemente de realizar uma cirurgia, sob
pena do seu membro superior esquerdo, o qual se encontra atrofiado,
ficar com degradação irreversível”.
Pelo estado de saúde dele, o advogado Paulo César
Pires alegou que havia necessidade de tratamento urgente para solução da
enfermidade.
Com base em princípios como da dignidade humana, o
desembargador afirma que o requerimento para realizar uma cirurgia vem
sido feito “há muito tempo” e não havia nenhuma solução até o momento.
Ele conclui que o presídio não tinha as condições
necessárias para prestar assistência ao estado de Zé de Lessa e que não
seria “de bom alvitre” que um paciente com quadro de saúde grave ficasse
a mercê da própria sorte.
Mesmo tendo decidido em favor da defesa, o
desembargador avisa que não se deve “descuidar do alto grau de
periculosidade” do preso. Zé de Lessa saiu e não voltou mais.
Questionado se notou algum problema numa das mãos de
Zé de Lessa, o delegado Fábio Peró, que comandou a ação que culminou na
more do criminoso, disse não ter notado nada de anormal. E ao que
parece, Zé de Lessa atirava com as duas mãos.
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