A virtude negligenciada


José Renato Nalini é reitor da Uniregistral, docente da Uninove e Anchieta, palestrante e conferencista. Integra a Academia Paulista de Letras, e autor de  “Pronto Para Partir? Reflexões Jurídico-Filosóficas sobre a Morte”.

Virtude é hábito que se adquire no caminho da perfectibilidade. Tem-se de acreditar, para não sobrevir o desespero, que o ser humano é um animal vocacionado ao aprimoramento. Embora frágil, vulnerável e composto de matéria-prima verdadeiramente miserável, o homem é uma criatura cujo compromisso é se tornar a cada dia menos defeituoso, até que, ao final de sua existência, esteja mais próximo do ideal da perfeição.
O caminho virtuoso não é fruto de um dom inato. É prática. Se todos os dias você fizer algo de bom, ao final de certo período, queira ou não, tenha ou não consciência, você poderá ser considerado um ser virtuoso.
Mas não é fácil essa prática. Caminho sofrido, cheio de percalços, repleto de armadilhas. Mais comum é acostumar-se com a militância dos interesses. Aproximar-se das pessoas que possam nos trazer alguma utilidade. E abandoná-las assim que já não puderem nos atender em nossas demandas.
A ingratidão é a tônica no mundo contemporâneo. O objetivo da aproximação, do envolvimento ardiloso, do puxa-saquismo escancarado, é arrancar algum benefício. As pessoas que conseguem alcançar um poder, qualquer que ele seja, têm muitos amigos. Enquanto ele puder distribuir benesses, tudo bem. Assim que o poder vier a ser transferido para outro titular, os áulicos se voltarão, imediatamente, para este novo detentor de comando.
Não há qualquer escrúpulo em voltar as costas a quem, até ontem, merecia lisonjas, adulação e permanente assédio. Página virada, fósforo apagado, a corrida é na direção do poder. Até estátuas ficariam ruborizadas, se pudessem reagir à desfaçatez com que se abandona o ex para cultivar o atual.
Esquecem-se os favores, olvida-se a flexibilidade com que a coluna cervical se dobrava diante de quem podia satisfazer uma necessidade. Mesmo que essa necessidade fosse a volúpia de conviver com quem exerce autoridade.
Pobre de quem se ilude com essa corte hipócrita. Sepulcros caiados, vão se mostrar logo que o “manto real” cobrir outros ombros. Saltitantes, cercarão o novo. Revoarão em torno a quem puder emprestar um pouco de brilho, como se pudessem extrair prestígio de um convívio que se adivinha imediatista, egoístico e falso. A ingratidão é a resposta do medíocre, a servir de mau exemplo a quem assiste essa desprezível manifestação da indigência moral dos anões éticos.

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