Remédios: PPP impõe gasto de R$ 90 milhões ao Estado mesmo sem contrapartida

Contrato prevê pagamento de cota mínima mesmo sem fornecimento de nenhum medicamento; contrato é alvo de inquérito do MP
O contrato de PPP (Parceria Público-Privada) firmado pelo governo do Estado para a gestão e operação da fábrica de medicamentos de Américo Brasiliense (região de Araraquara) impõe aos cofres públicos uma despesa fixa de pelo menos R$ 90 milhões por ano mesmo sem que haja o fornecimento de um comprimido sequer.
A informação foi revelada nesta terça-feira (25), na Assembleia Legislativa, pelo coordenador de Assistência Farmacêutica da Secretaria de Saúde do Estado, Victor Hugo Costa Travassos da Rosa, durante depoimento à CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) que investiga irregularidades na Furp (Fundação para o Remédio Popular).
O contrato da PPP foi assinado em 2013 com a CPM (Concessionária Paulista de Medicamentos), personalidade jurídica criada pelo grupo EMS, gigante do setor farmacêutico, e tem validade de 15 anos.
Pelo acordo, a CPM assumia o compromisso de realizar investimentos para a modernização da fábrica e desenvolver pesquisas para a produção de novos medicamentos, além da operação e manutenção da unidade. Em troca, o governo se comprometeu a comprar uma cesta de medicamentos com 92 itens, destinados ao abastecimento da rede pública em todo o Estado.
Passados seis anos, porém, só 16 itens estão sendo fabricados na unidade, que opera com ociosidade de 75% (ou seja, só 25% de sua capacidade produtiva vem sendo usada). Os investimentos previstos na modernização da fábrica não foram realizados, assim como o desenvolvimento de novos medicamentos. O contrato é alvo de inquérito do Ministério Público.
"Se eu não comprar nada, eu tenho que honrar o compromisso do contrato. Tenho que pagar a mesma coisa", disse o coordenador de Assistência Farmacêutica, convocado a pedido do presidente da CPI, deputado estadual Edmir Chedid (DEM).

Furp em xeque

Por meio do contrato da PPP, o governo recebe da CPM cerca de 300 mil "unidades farmacotécnicas" por ano - cada unidade corresponde a uma fração unitária de um determinado medicamento (um frasco, uma ampola, etc.).
Essa "cesta", segundo a Furp, custa R$ 90 milhões por ano ao Estado. No entanto, a própria direção da fundação reconhece que, hoje, poderia comprar os mesmos medicamentos por R$ 34 milhões em laboratórios privados. A diferença gera um prejuízo anual de R$ 56 milhões aos cofres públicos.
"Esse recurso já sai direto do Tesouro do Estado", afirmou o coordenador de Assistência Farmacêutica do Estado.
Victor Hugo da Rosa foi dirigente da Furp entre 2007 e 2010. Primeiro, ocupou o cargo de gerente de Relacionamento com o Mercado (entre 27 julho de 2007 e 31 de janeiro de 2008). Depois, assumiu a gerência da Divisão Industrial (de 1º de fevereiro de 2008 a 18 de junho de 2010).
Durante o período em que atuou na fundação, acompanhou a inauguração da fábrica de Américo Brasiliense, em 2009. "Naquela época, não havia PPP. O contrato foi assinado após a minha saída", disse.

Denúncias

Ele negou ter participado das discussões para a construção da unidade, ou mesmo acompanhado a obra, que custou quase R$ 150 milhões e é alvo de denúncias de corrupção. Sobre o custo inicial de R$ 124 milhões, foram acrescidos outros R$ 22 milhões - acordo obtido, segundo executivos da empreiteira responsável pela obra, mediante pagamento de propina a dirigentes da Furp.
"Esse era um projeto antigo. Quando cheguei à Furp, em 2007, a fábrica já estava praticamente de pé. Meu papel foi montar a linha de produção e deixá-la pronta para funcionar", afirmou.
Victor Hugo da Rosa disse que não participou da decisão de transferir a fábrica a um parceiro privado por PPP. O contrato foi assinado em 2013 e a fábrica só entrou em operação em 2015.
"O contrato foi assinado após a minha saída", disse. "Não sei responder [por que o Estado assinou a PPP]. Essa e uma boa pergunta."

Gargalos

Durante quase três horas de depoimento, o coordenador de Assistência Farmacêutica do Estado também falou sobre a logística de distribuição de remédios do governo.
Atualmente, a Secretaria de Saúde abastece 38 farmácias regionalizadas - são 38,7 milhões de medicamentos por mês. Em 2018, essa rede atendeu 732 mil pacientes cadastrados, segundo o governo.
Victor Hugo da Rosa atribuiu ao governo federal os frequentes problemas de distribuição. Parte dos remédios fornecidos à rede pública vem direto do Ministério da Saúde, cabendo ao Estado somente a entrega.
"Às vezes, o Ministério da Saúde, por motivos diversos, atrasa a entrega de um medicamento", afirmou.
Para o coordenador, o momento atual é de "calmaria". "A turbulência já passou", afirmou. "De 300 itens, temos problemas em 12. É muito pouco, quase nada."

Reação

Para o presidente da CPI, o depoimento do coordenador de Assistência Farmacêutica foi revelador.
"A questão é mais grave do que imaginávamos. O Estado é refém desse contrato", disse Edmir Chedid. "Isso levanta outras questões. Por que o governo construiu uma fábrica que só entrou em operação seis anos depois? E por que resolveu repassá-la à iniciativa privada, em um contrato que claramente tem trazido prejuízos aos cofres públicos? Essas são questões que a CPI vai elucidar."
Além de Edmir Chedid, participaram da reunião os deputados Agente Federal Danilo Balas (PSL), Alex de Madureira (PSD), Beth Sahão (PT), Cezar (PSDB) e Thiago Auricchio (PR).
A CPI volta a se reunir nesta quarta-feira (26), a partir das 11h, para ouvir o ex-engenheiro da Furp Ricardo Mahfuz. Ele é acusado de envolvimento em um esquema de pagamento de propinas na obra da fábrica de Américo Brasiliense.

Sobre a CPI da Furp

A CPI da Furp foi aberta com base em um requerimento do deputado Edmir Chedid que cita uma série de denúncias contra a fundação – entre elas, as suspeitas de pagamento de propina.
A comissão terá prazo de 120 dias para concluir seus trabalhos, prorrogáveis por mais 60 a critério de seus membros. Neste período, poderá requisitar informações e documentos a outros órgãos e interrogar testemunhas e suspeitos. Também terá competência para realizar diligências e requisitar a quebra de sigilos bancário, fiscal e telefônico.


 

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