'Rixa' entre cidades e migrantes em busca de oportunidade formaram Zona Leste de Santa Bárbara

Por Thainara Cabral, G1 Piracicaba e Região

21/12/2018 12h09 Atualizado há um dia



 

Uma rixa entre Santa Bárbara d’Oeste (SP) e a cidade vizinha, Americana (SP), deu origem à região que foi mais importante para o desenvolvimento populacional e econômico da cidade nas últimas décadas, a Zona Leste. Atualmente, a região tem "vida própria" e sua expansão nos setores de serviços e comércio está ligada à migração de pessoas que enxergaram em Santa Bárbara uma oportunidade de recomeçar.

O bicentenário de Santa Bárbara d’Oeste, completado no início de dezembro, tem em seu histórico a imigração de famílias norte-americanas, que foram importantes para a fase de fundação e consolidação do município através de suas técnicas de agricultura e métodos educacionais.

Já em outra fase histórica da cidade, os migrantes foram protagonistas do desenvolvimento barbarense, e com força de vontade e trabalho ergueram a Zona Leste, região mais próspera de Santa Bárbara.

A contribuição das famílias migrantes é, inclusive, reconhecida e homenageada no Memorial da Migração, inaugurado pela Prefeitura em 2015. Localizado no canteiro central da Avenida Santa Bárbara, próximo ao Tivoli Shopping, o memorial ostenta 21 bandeiras dos municípios de origem dos moradores acolhidos em Santa Bárbara.

Entre elas estão Águas de Santa Bárbara, Assis, Candido Mota, Dracena, Fernandópolis, Jales, Junqueirópolis, Mirassol, Palmeira d’Oeste, Presidente Prudente, Pompéia, Registro, Santa Fé do Sul, Santa Rita d’Oeste, São José do Rio Preto, Tupi Paulista e Votuporanga, além de uma bandeira branca em homenagem às demais cidades.

A cidade também promove a Festa da Migração, que celebra a cultura e culinária de outras regiões do país.

Pressão de Americana deu origem à Zona Leste

Foi a partir da década de 1960 que a população de Santa Bárbara d’Oeste começou a engrossar. No mesmo período, o fluxo migratório mirou nas cidades do interior de São Paulo.

De acordo com o historiador Antonio Carlos Angolini, que dedicou suas pesquisas à história de Santa Bárbara, o surgimento e crescimento da Zona Leste foi de caso pensado. A Zona Leste faz divisa com Americana e por muito tempo a região serviu apenas como "dormitório" para os migrantes que trabalhavam em tecelagens na cidade vizinha.

A pressão imobiliária e o medo de ver Americana se desenvolver tão rapidamente fez o prefeito de Santa Bárbara da época, Isaías Hermínio Romano, criar uma "Cidade Nova" (termo que deu origem a um dos bairros da região) para frear o crescimento de Americana dentro do território barbarense

"A partir de 1964 o prefeito aprovou muitos loteamentos para atrair moradores e os preços dos terrenos também eram mais baratos do que o restante da cidade. Muitos criticaram o Romano na época, mas eu acompanhei o processo e digo que ele acertou. Americana queria tomar conta da faixa de terra que hoje é a Zona Leste e a Prefeitura de Santa Bárbara não queria ceder, pois perderia expressão política e eleitores", explicou Angolini.

O historiador lembra que o início da construção da Zona Leste não foi fácil devido ao remanejamento de água tratada, esgoto, asfalto, escolas e unidades de saúde. "O crescimento natural de uma cidade seria do Centro para a periferia, mas, mesmo que tenha acontecido o inverso, foi tudo estruturado e essa ‘Nova Cidade’ veio ao encontro da área central", afirmou o pesquisador que acompanhou de perto o processo.

Região com ‘vida própria’

A grande oferta dos terrenos nos loteamentos construídos na Zona Leste atraiu moradores de outras regiões do país que saíam de suas cidades para trabalhar nas tecelagens de Americana. Foi este cenário que Inácio Luis Souto, de 72 anos, encontrou em 1978, quando saiu do Paraná e ficou na casa da irmã em Americana por 30 dias para observar se a região era promissora para se mudar com a família.

"Passavam carros de som nas ruas procurando gente para trabalhar nas empresas. Logo eu percebi que era um lugar que prometia grandes progressos", relatou. Souto se mudou para o bairro Mollon em 1979 com a família. "Mesmo ano em que asfaltaram as ruas", relembra.

Cabeleireiro há 40 anos, Souto montou seu salão, onde trabalha com os filhos, no Mollon e acompanhou todo o desenvolvimento da Zona Leste. "Observei que logo que mudei pra cá chegava um caminhão de mudança atrás do outro. Muita gente vinda do Paraná, daqui do interior e da divisa com Mato Grosso. Foi a força do nosso trabalho que projetou a região", disse ele, que foi vereador em Santa Bárbara por três mandatos, de 1997 até 2008.

O historiador Angolini cita que o fenômeno da migração tornou a Zona Leste "um braço" de Santa Bárbara. Atualmente, a região é quase autossuficiente em termos de economia e comércio.

"Hoje em dia a Zona Leste tem vida própria e total independência. O comércio local está forte e por preços melhores comparados ao restante de Santa Bárbara e até Americana. A região ainda guarda potencial e projeta crescimentos", enfatizou.

Convívio de amizade

Por ser formado, em sua maioria, por pessoas que vieram de regiões rurais, a convivência no bairro Mollon guarda a essência de "sítio", apesar do desenvolvimento conquistado ao longo das décadas.

"Aqui todo mundo arruma amizade muito fácil e isso faz com que a gente se sinta em casa. De manhã temos o costume de sair na calçada dar bom dia, não vejo isso em outros lugares", contou Souto.

O muro baixo dividindo as residências para facilitar a conversa entre os moradores é uma característica do bairro. "Minha esposa sobe em cima da cadeira para conversar com a vizinha pelo muro. Os vizinhos aqui são nossos parentes mais próximos, os pais de todos moram em outros estados", completa.

Cultura dos migrantes

Além de levar para Santa Bárbara d’Oeste o anseio de uma vida melhor, Luis Inácio carregou consigo a cultura popular da Folia de Reis que, segundo ele, sempre esteve no seu sangue.

Vindo de uma família de violeiros, desde os 12 anos o cabeleireiro já cantava no Paraná e quando chegou a Santa Bárbara teve a sorte de encontrar Felício José da Silva, que já estava articulando um grupo na cidade.

Foi assim que, em 1979, surgiu a "Companhia de Santos Reis Estrela de Belém de Santa Bárbara d’Oeste", que propaga na cidade a manifestação folclórica que celebra religiosamente o nascimento de Jesus.

Nos festejos, existem elementos musicais com a presença de vários instrumentos em que os participantes visitam casas de porta em porta com cantoria, lembrando a viagem dos Reis Ma

A companhia de Santa Bárbara visita, aos finais de semana, as casas da Zona Leste, no período de 12 de outubro a 27 de janeiro. No último dia do reisado ocorre a festa de encerramento com uma missa e jantar. Segundo Souto, neste ano, a festa, que é realizada no bairro Planalto do Sol, reuniu 4 mil pessoas.

Apesar de não ser uma manifestação comum no Sudeste do país, Souto contou que a população barbarense logo se afeiçoou à Folia de Reis. "Os moradores receberam muito bem o reisado, assim como a cidade recebeu de braços abertos o povo migrante.

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