Temos um Presidente ou teremos um novo ditador?

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Marcelo Gurjão Aith é especialista em Ciências Criminais e Direito Público
 
 
Vivemos em um momento de grande apreensão com a vitória nas eleições presidenciais do Capitão da Reserva Jair Messias Bolsonaro. Algumas pessoas com a sensação ​de esperança de mudança e de combate a corrupção e outros com medo de um arrefecimento do estado policialesco, da intolerância. Qual o Brasil encontraremos a partir de 1º de janeiro de 2019?
 
Hodiernamente observamos, inversamente do espírito trazido com a Lei 12.403/2011, que alterou o Código de Processo Penal, que tornou as prisões cautelares medidas extremas (subsidiárias), recrudescimento dos encarceramentos provisórios, com nítido propósito de obter, forçosamente, delações premiadas a fórceps, muitas vezes vazias, desacompanhadas de provas, que, inevitavelmente, culminam na execração pública de alvos dessas malsinadas "cooperação". Tal circunstância, gostem ou não os leitores, decorrem, inexoravelmente, do empoderamento do Judiciário de primeira instância e do excessivo e indevido protagonismo do Ministério Público Estadual e Federal, fruto do efeito "Moro".
 
O empoderamento do Judiciário tornou-se evidente com a aberrante e antidemocrática decisão emanada da Justiça Eleitoral determinando que fossem retirados cartazes e faixas com manifestações políticas realizadas por estudantes de universidades públicas. Porém, com uma lucidez ímpar, a Ministra Carmen Lúcia, acolhendo um pedido da Procuradora Geral da República, Raquel Dodge, revogou a decisão, nos seguintes termos:
 
"1. Conquanto emanados de juízes eleitorais alguns e outros adotados por policiais sem comprovação de decisão judicial prévia e neles constando referências a normas legais vigentes, os atos questionados apresentam-se com subjetivismo incompatível com a objetividade e neutralidade que devem permear a função judicante, além de neles haver demonstração de erro de interpretação de lei, a conduzir a contrariedade ao direito de um Estado democrático.
 
2. Em qualquer espaço no qual se imponham algemas à liberdade de manifestação há nulidade a ser desfeita. Quando esta imposição emana de ato do Estado (no caso do Estado-juiz ou de atividade administrativa policial) mais afrontoso é por ser ele o responsável por assegurar o pleno exercício das liberdades, responsável juridicamente por impedir sejam elas indevidamente tolhidas.
 
3. Às vésperas de pleito eleitoral denso e tenso, as providências judiciais e os comportamentos estendem-se por interrupções de atos pelos quais se expressam ideias e ideologias, preferências, propostas e percepções do que se quer no processo político.
 
4. Ao impor comportamentos restritivos ou impeditivos do exercício daqueles direitos as autoridades judiciais e policiais proferiram decisões com eles incompatíveis. Por estes atos liberdades individuais, civis e políticas foram profanadas em agressão inaceitável ao princípio democrático e ao modelo de Estado de Direito erigido e vigente no Brasil.
 
5. O uso de formas lícitas de divulgação de ideias, a exposição de opiniões, ideias, ideologias ou o desempenho de atividades de docência é exercício da liberdade, garantia da integridade individual digna e livre, não excesso individual ou voluntarismo sem respaldo fundamentado em lei.
 
6. Liberdade de pensamento não é concessão do Estado. É direito fundamental do indivíduo que a pode até mesmo contrapor ao Estado. Por isso não pode ser impedida, sob pena de substituir-se o indivíduo pelo ente estatal, o que se sabe bem onde vai dar. E onde vai dar não é o caminho do direito democrático, mas da ausência de direito e déficit democrático.
 
7. Exercício de autoridade não pode se converter em ato de autoritarismo, que é a providência sem causa jurídica adequada e fundamentada nos princípios constitucionais e legais vigentes. Discordâncias são próprias das liberdades individuais. As pessoas divergem, não se tornam por isso inimigas. As pessoas criticam. Não se tornam por isso não gratas. Democracia não é unanimidade. Consenso não é imposição.
 
8. Pensamento único é para ditadores. Verdade absoluta é para tiranos. A democracia é plural em sua essência. E é esse princípio que assegura a igualdade de direitos individuais na diversidade dos indivíduos.
 
9. Toda forma de autoritarismo é iníqua. Pior quando parte do Estado. Por isso os atos que não se compatibilizem com os princípios democráticos e não garantam, antes restrinjam o direito de livremente expressar pensamentos e divulgar ideias são insubsistentes juridicamente por conterem vício de inconstitucionalidade."
 
Extrai-se da brilhante decisão algo extremamente preocupante e assustador. Algumas medidas autoritárias foram executadas por Policiais Militares ao arrepio da lei, sem qualquer determinação emanada da Justiça Eleitoral. Com a eleição do Capitão Bolsonaro essa medida autoritária virará rotina?
 
Mas os leitores devem estar a pensar o que uma coisa tem a ver com outra? Tudo, absolutamente, tudo. Explico.
Na hipótese do presidente eleito manter seu discurso de ódio aos negros, aos grupos LGTBs, aos encarcerados, à imprensa (contrária), com declarações estapafúrdias que enaltecem os terrores e as violências (chegando a dizer que foi pouco) comedidos durante a ditatura militar, que presta homenagem pública, em rede nacional, ao maior e mais temido torturador do regime militar Coronel Carlos Brilhante Ustra, que dentre suas monstruosidades, além de torturar abissalmente aqueles que eram contra o sistema militar, faziam, invariavelmente, filhos e pais acompanharem as crueldades desumanas contra seus entes queridos. Ustra, repito homenageado por Bolsonaro e seus filhos, utilizava de métodos de extrema crueldade como espancamentos, choques nas partes íntimas, afogamentos, sufocamentos em sacos, etc., tudo devidamente comprovado pela Comissão da Verdade. Métodos, pasmem, expressamente aplaudidos por Bolsonaro.
 
Mas o leitor pode estar a contrapor, dizendo que isso foi um momento infeliz de Messias Bolsonaro. Porém, infelizmente, não foi! As inúmeras manifestações desse político demonstram que poderemos estar na iminência de entrarmos, mais uma vez, em um período negro, com absoluto desprezo à democracia e ao estado democrático de direito, ingressando, perigosamente, em um estado de polícia, que na concepção do maior criminalista da América Latina Eugênio Raúl Zaffaroni consiste em tornar os cidadãos seus súditos, subordinando-os aos caprichos dos governantes.
 
O discurso da vitória ele diz que preservará os ditames da Constituição da Repúblicas, respeitando todas as liberdades. Aqui finalizo o com um pensamento de Padre Antônio Vieira: "A mais doce de todas as companheiras da alma é a esperança". Esperança que Jair Messias Bolsonaro seja um presidente que respeite a Constituição da República e que suas retóricas do ódio sejam apenas retórica.
 
 
 
 
 
 

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