Ponha a mão na consciência

 
José Renato Nalini é ex-Presidente do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, reitor da Uniregistral, palestrante  e conferencista e autor de "Ética daMagistratura" e "A Rebelião da Toga"
 
A Humanidade é uma entidade estranha. Capaz de incríveis conquistas e das mais abjetas crueldades.
Os otimistas dizem que a vida melhorou. Vive-se mais, a longevidade é um fenômeno científica e empiricamente comprovável. Morrem menos recém-nascidos. As profecias malthusianas não se concretizaram. O agronegócio é um setor que sustém a esperança em dias de verdadeiro desenvolvimento, o que inclui ninguém passando fome e todos vivendo de forma digna.
Mas o Brasil mata mais de 60 mil jovens a cada ano. Mais da metade da população não dispõe de saneamento básico. A abundância de água-doce encontra um feroz inimigo no homem, que a enterra para ceder espaço ao asfalto, a polui e a converte em líquido putrefato, envenenado e morto.
A raça política é abjeta, segundo a avaliação de enorme legião de sofridos párias do desemprego, vítimas da exclusão, da falta de moradia, de perspectivas de uma existência de mínima decência.
Enquanto isso, o futuro é sedutor conforme anuncia a 4ª Revolução Industrial. Inteligência Artificial, Internet das Coisas, Impressão 3D, robótica, automação, progresso.
A quem se destina tudo isso? Há quem já usufrua do mundo high-tech, dispõe de tudo aquilo que o dinheiro pode oferecer em termos de conforto, bem-estar e sensação de domínio sobre a matéria e sobre os semelhantes. Mas a imensa maioria não tem acesso a esses bens da vida que a mídia espontânea, sustentada pelo capitalismo selvagem, martela sem parar, fustigando as mentes ingênuas, que se iludem com a possibilidade de consumir.
Os economicamente bem sucedidos gozam de elevado padrão de vida. Fazem adequado uso da combinação entre as tecnologias, conhecimentos e capacidades para bem usar de tais avanços. Só que o reflexo social do acúmulo de conhecimento produtivo não é fenômeno universal. Aqui no Brasil e aqui em São Paulo, bem perto de nós, há pessoas que estão com padrão de vida inferior àquilo que se convencionou chamar de mínimo existencial. A miséria e a exclusão residem junto às mansões, aos condomínios, às verdadeiras fortalezas com que os abonados tentam manter-se afastados da condição espúria dos hipossuficientes.
É mais do que urgente eliminar o fosso digital entre habitantes do mesmo espaço físico. O poderoso tem obrigação de pensar no despossuído. Senão, pagará caro pela omissão. Não adianta se esconder nos refúgios cada vez menores em que se aninham os favorecidos, porque um dia nenhuma blindagem será suficiente a protege-lo.
É uma questão de sobrevivência capacitar o semelhante a também se valer daquilo que a inteligência e a aptidão humana desenvolveu e reduzir drasticamente as diferenças. A distância entre os polos está cada vez maior. A reação pode demorar. Mas a panela de pressão está submetida a um fogo constante. Alimentado pela revolta, pelo ressentimento, pela generalização de que a política partidária é uma farsa e que, sem violência, o Brasil não mudará.
Reflitamos, meditemos, partamos para a ação rumo à edificação da Pátria justa, solidária, sem preconceitos, com redução das desigualdades e eliminação da miséria que o constituinte, há trinta anos, prometeu. Promessa que ainda não soubemos cumprir, ensimesmados nas questiúnculas que o egoísmo atroz nos submete numa rotina cega e surda.
Acordemos, antes que sejamos despertados traumaticamente desta letargia e talvez não haja tempo para esboçar reação ou tentar a salvação.
 


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