Um deserto de ideias

Gaudêncio Torquato, jornalista, professor titular da USP é consultor
político e de comunicação. Twitter: @gaudtorquato



 O que Bolsonaro pensa do Brasil? E Lula, que propostas tem apresentado para melhorar a economia ou serviços básicos de responsabilidade do Estado? O que pensam Ciro Gomes, Marina Silva, Geraldo Alckmin ou, ainda, Luciano Huck? Quem souber de uma boa sacada, um projeto interessante, que tenha sido expressa por um desses pré-candidatos, está convidado a trazê-la ao conhecimento público. Até esse momento, sobram blábláblás e falta algo inovador, capaz de gerar interesse pela originalidade.

Se as campanhas não conseguem empolgar plateias, imaginem as besteiras que surgem nesse momento. De Lula em suas caravanas, brotam roças de demagogia, sob um tiroteio ao atual governo, para ele o responsável pelo descalabro que afundou o país nos últimos anos. A defesa do Lula é o ataque. O petismo-lulismo, inspiração do dilmismo, afundou a Nação. Os bolsões que receberam da era petista melhorias para mudar de patamar na pirâmide social acabaram voltando ao estágio inicial. De Bolsonaro, não se espera grandes coisas. Ele mesmo reconhece que ignora fundamentos de economia.

Nesse instante em que eventuais candidatos à presidência começam a povoar espaços midiáticos com suas ideias (???), seria oportuno virem à público oferecer pautas que chamem a atenção pela relevância e oportunidade. Áreas vitais como saúde, segurança, educação ou polêmicas sobre as reformas (política, previdenciária, tributária) ganham adendos superficiais e bordões escondidos na frou­xa promessa "vamos continuar isso e aquilo, fazer mais e melhor". Nunca foi tão importante para o Brasil debater seu futuro. O atual governo se empenha em desamarrar as reformas necessárias à alavancagem do país. Por que os pré-candidatos não se voltam ao debate substantivo em torno dessas reformas, trazendo subsídios que possam colaborar com o debate, em vez de apenas se posicionar contra ou a favor?

A campanha eleitoral de 2018 já começou, e o Tribunal Superior Eleitoral ainda não dá conta do fato. Pré-candidatos circulam para cima e para baixo, fazem caravanas, são recebidos por multidões, usando artifícios de um marketing que parece saturado: militantes, passeatas, carros de som, flagrantes de ruas tomadas pelas mobilizações.

As redes sociais formam o novo instrumento que as campanhas eleitorais adicionam ao arsenal de marketing. O acesso do eleitor aos candidatos se dá por meio de canais da internet. Da naturalidade das ruas do passado para o artificialismo dos laboratórios do marketing – essa é a mudança nas campanhas. Abertas, emo­tivas, participativas tornaram-se fechadas, frias, racionais. Em 1950, Getúlio Vargas fez uma das mais brilhantes campanhas da história.

Em 10 de agosto, em São Paulo, pronunciava um discurso versando sobre o poderio da terra bandei­rante, o dever da União para com o Estado, o saneamento financeiro do País, as diretrizes para uma política industrial e as bases do tra­balhismo, concluindo com a exaltação do vínculo entre democracia política e democracia econômica. Regiões e cidades recebiam expressão própria, com diagnósticos e solução para os problemas. Ouvir o povo, eis o mote. Quem ouve o povo hoje?

Passemos aos tempos de Juscelino Kubitschek. Na campanha de 1955, fez seis viagens pelo País, percorrendo 168 municípios e adotando a mesma estratégia de Vargas, ou seja, combinava temas gerais com específicos. Os roteiros cobriam cidades e ca­pitais próximas, permitindo a ele conhecer e estudar as questões regionais. Grupos de mobilização puxavam o povo para as ruas. As cam­panhas arrebanhavam multidões.

Hoje, a descrença e a desmotivação do eleitorado, a pasteurização ideológica, o declínio dos partidos e o distanciamento entre a esfera política e a esfera social mancham a moldura eleitoral. Se o país recuou no campo das grandes ideias, avançou nas técnicas de engodo.


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