REFORMA POLÍTICA? O QUÊ E COMO?

GAUDÊNCIO TORQUATO
 
         O prazo final está à vista: 2 de outubro. Se nada for feito para mudar as regras das eleições, a sociedade assistirá à maior reversão de expectativas dos últimos tempos. A política chegou ao fundo do poço. O eleitor dá as costas para a representação popular. Um oceano de denúncias escancara a corrupção. Os Odebrecht relatando (e delatando) como o Estado foi comprado e a propina era desviada. O eleitor espera um novo horizonte, onde possa enxergar um país mais ético e menos imoral.
        
Esse horizonte só pode ser aberto com uma reforma política. Afinal de contas, o voto distrital (mis­to, puro), o voto em lista, o final das coligações proporcionais e a cláusula de barreira, por si só, não melhorarão a qualidade da representação popular. Se forem considerados, isoladamente, esses fato­res darão mínima contribuição. A questão maior diz respeito aos costumes tradicionais da política: o grupismo e o familismo, o mandonismo dos caciques regionais, o retalhamento dos espaços da administração pública, os recursos do Estado surrupiados, a pasteurização partidária. A cláusula de barreira, é claro, ao proibir a formação de siglas sem expressão eleitoral, pode até conferir densidade dou­trinária a quatro ou cinco grandes entes. Sozinha, porém, não será remédio eficaz para a moralização política.  
Como se sabe, não se muda cultura por decreto. O fisiologismo, por exemplo, alimento predileto dos políticos, está fincado nas raí­zes do modelo latino-americano de fazer política, no qual a lógica faz prevalecer o interesse individu­al sobre o ideal coletivo.
Costuma-se afirmar que o Congres­so Nacional é o retrato da comunidade nacional. Se os par­lamentares tomam decisões erradas, a culpa é sendo atribuída às massas que não sabem votar. Ora, isso é uma inverdade. Afinal, não foi o eleitor que abriu os dutos da Petrobras ou autorizou os assaltos ao trem pagador do Estado.
Fechando o espetáculo de desvios e contrafações, vemos a formação da tríade que invadiu os espaços da administração pública: governantes/dirigentes de estatais, núcleos/partidos políticos e grupos de negócios privados. O poder se concentra em protagonistas desses três territórios. Por que a perversão prosperou? Causas: a imensa tutela do Estado brasileiro, que acolhe os corpos da política e dos negócios; a força imperial do presidencialismo; a repartição da estrutura do Estado; o arrefecimento da força do Parlamento, que se torna refém do Executivo; a ausência de critérios racionais e de mérito na ocupação dos cargos públicos; o patrimonialismo, responsável pela apropriação da res publica pelo negócio privado. Dentro dessa moldura, pontos isolados de uma reforma política poderão ser inconse­quentes.
O governo Temer se desdobra para fazer as reformas essenciais. Mas há uma turma que puxa o cabo para os desvãos do passado. As resistências às reformas são lideradas pelas corporações de ofício, que vivem às custas do Estado. As Centrais Sindicais, por exemplo. Com exceção de uma ou outra, querem a continuidade do imposto sindical obrigatório. Ou o Ministério Público do Trabalho, contrário a qualquer reforma na legislação trabalhista. Para esse grupo, quanto mais litígio na sociedade, mais poder terá a Justiça do Trabalho. Em 2015, 1,2 milhão de processos correu pelas vias do Judiciário.
Reformar a cultura política significa refor­mar cidadãos mais exigentes, cultos e preparados. Até che­garmos a esse estágio civilizatório, teremos de conviver com partidos do faz de conta, administrações que se assemelham às capitanias hereditárias, tensões políticas constantes, justiça lenta e contingentes apinhados no balcão político das trocas. Volto à questão do início deste artigo: o que fazer até 2 de outubro próximo para acenar às massas com algum pingo de esperança? Que o leitor tire suas conclusões.
 


Gaudêncio Torquato, jornalista, professor titular da USP é consultor político e de comunicação. Twitter: @gaudtorquato

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