TRT de Campinas conduz celebração de acordo milionário entre Odebrecht e MPT em processo que envolve trabalho escravo e tráfico de pessoas em Angola

 
Empresas do grupo vão pagar R$ 30 milhões por dano moral coletivo;Valor será destinado a projetos sociais

 
O Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região, com sede em Campinas/ SP, promoveu nesta quinta-feira, dia 16/3, audiência de conciliação em processo movido pelo Ministério Público do Trabalho contra a construtora Norberto Odebrecht S.A. e duas de suas subsidiárias – a Odebrecht Serviços de Exportação S.A. e a Odebrecht Agroindustrial –, resultando no maior acordo da história do país no que diz respeito ao combate ao trabalho escravo e ao tráfico de pessoas.

Na audiência, presidida pelo desembargador Edison dos Santos Pelegrini, da 10ª Câmara do TRT, ficou definido que as empresas, condenadas por dano moral coletivo em 1ª instância, pagarão o valor de R$ 30 milhões, divididos em 12 parcelas de R$ 2,5 milhões, com a primeira vencendo no dia 10 de julho de 2017, e assim sucessivamente, a cada semestre, até 2023. Os valores serão destinados a projetos, iniciativas ou campanhas que revertam em benefícios à população, mediante aprovação conjunta do TRT da 15ª Região e do MPT-Campinas.

 Em uma das audiências mais longas já realizadas, com quase sete horas de duração (das 16 às 22:37 horas) e intervenções do presidente do TRT, desembargador Fernando da Silva Borges, do vice-presidente judicial, desembargador Edmundo Fraga Lopes e do presidente do Comitê Regional de Erradicação do Trabalho Escravo, Tráfico de Pessoas e Discriminação, desembargador Eduardo Benedito de Oliveira Zanella, as partes finalmente chegaram a um acordo. Fernando Borges ressaltou a importância da prática da conciliação como método mais rápido para solução de litígios trabalhistas e exaltou também o aspecto social da causa em questão, com valores revertidos a projetos em prol da coletividade.

 O MPT foi representado pelos procuradores Ronaldo José de Lira, Fábio Messias Vieira e Rafael de Araújo Gomes (autor da Ação Civil Pública/ ACP ajuizada na 2ª Vara do Trabalho de Araraquara), que reforçaram a necessidade da manutenção de cláusulas no acordo para coibição de práticas ilícitas.  Segundo Rafael Gomes, trata-se da maior quantia já paga no Brasil, envolvendo situação de trabalho análogo ao de escravo e de aliciamento de trabalhadores. O procurador destacou a atuação do MPT e a parceria com TRT-15 no combate a essas práticas. “O Tribunal de Campinas é referência nacional em sentenças e acordos extremamente difíceis, como esse celebrado aqui. É um tribunal progressista que pensa no trabalhador e busca cercear este tipo de conduta extrema, buscando a conciliação, aplicando a lei e julgando com Justiça.”

 As empresas assumiram solidariamente as obrigações de "jamais vir a realizar, promover, estimular ou contribuir com o aliciamento nacional e/ou internacional de trabalhadores" e de submeter trabalhadores à condição análoga à de escravo, sob pena de multa de R$ 100 mil por trabalhador. As empresas se comprometeram ainda, a não utilizar, em seus empreendimentos, mão de obra contratada no Brasil e enviada ao país estrangeiro sem o visto de trabalho já concedido pelo governo local, sob pena de multa de R$ 60 mil por trabalhador, bem como a "não realizar, promover, contribuir ou se aproveitar da intermediação de mão de obra (marchandage), com o envolvimento de aliciadores, intermediadores ou ‘gatos', salvo em caso de trabalho temporário, com os contornos admitidos pela Lei n. 6.019/1974 e de serviço de facilitação à colocação no mercado de trabalho realizados pelo Sistema Nacional de Emprego e órgãos afins, sob pena de multa de R$ 50 mil, por trabalhador".

 Para entender o caso

 A 2ª Vara do Trabalho de Araraquara (SP) condenou a construtora Norberto Odebrecht S.A. e as duas subsidiárias por promoverem tráfico de pessoas e manterem mais de 400 trabalhadores em condições análogas à escravidão na construção da usina de açúcar e etanol Biocom, em Angola.  O caso teve início após a publicação, em 2013, de uma reportagem em que operários relatavam ter sofrido maus-tratos na usina entre 2011 e 2012. O procurador Rafael de Araújo Gomes abriu um inquérito que deu origem à ação civil pública contra a companhia. Boa parte dos operários que participaram da obra no país africano foi recrutada no interior do Estado de São Paulo, mais precisamente na região de Araraquara e Américo Brasiliense.

Na  decisão de 1º grau, o juiz Carlos Alberto Frigieri afirmou que operários brasileiros contratados para a construção da usina na Província de Malanje foram submetidos a um regime de trabalho "prestado sem as garantias mínimas de saúde e higiene, respeito e alimentação, evidenciando-se o trabalho degradante, inserido no conceito de trabalho na condição análoga à de escravo". Frigieri condenou a empresa à indenização do dano moral coletivo, mediante o pagamento de R$ 50 milhões. As empresas negaram as irregularidades e recorreram da decisão. O MPT, por sua vez, também entrou com recurso no TRT-15, objetivando majorar o valor. Várias reuniões foram realizadas entre as partes no decorrer do último ano, culminando na audiência desta quinta-feira. O litígio, que poderia ainda se arrastar por mais anos, foi finalizado via conciliação.

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