GAUDÊNCIO TORQUATO
Quais as perspectivas que se apresentam ao país nesse momento em que se respira crise por todos os lados? Há sinais para todos os gostos. Uns enxergam o país pegando fogo com multidões nas ruas clamando por mudanças: de sistema de governo, de política, de protagonistas. Outros não são tão catastróficos, detectando já no primeiro semestre de 2017 ligeira recuperação da economia e resgate da confiança de investidores. E há os incrédulos, aqueles que desfiam o mantra: “quanto mais muda mais fica a mesma coisa”.
No meio da algaravia que se forma, entre prestigitadores da palavra e senhoras de turbantes que lêem cartas e rodam bolas de cristal, figuras comuns em programas televisivos de fim de ano, emerge uma abordagem que merece reflexão Por seu teor inusitado: “O Brasil precisa sair das mãos dos políticos”. O autor dessa façanha, que soa mais como despautério do que tese acadêmica, é Roberto Justus, o garboso publicitário, mais conhecido pela performance no programa de televisão O Aprendiz, o mesmo que deu fama a Donald Trump, cujo alourado topete ocupará os espaços midiáticos nos próximos anos, eis que o bilionário comandará a maior democracia do mundo.
Para ser preciso (e justo) com o “Trump” de nossas bandas, que também carrega portentoso topete, devemos entender a frase dada em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo como boutade, uma tirada de efeito para chamar a atenção, algo muito comum do dandismo (o prazer de espantar) na política. E a razão é tão óbvia por se tratar de uma equação que não fecha. A ideia de livrar o país da esfera dos políticos é a mesma coisa que desnaturar a política, descaracterizar a substância que a define – missão a serviço da polis -, conforme ensinaram Platão e Aristóteles, os pilares clássicos que sustentam o edifício da política.
As virtudes da temperança, da coragem e da sabedoria, na concepção platônica, são essenciais para a formação do Estado incorruptível, e inerentes aos escolhidos para fazer o Bem à coletividade. Já na visão aristotélica, o homem é, por natureza, um “animal político”, devendo, nessa condição, se estabelecer em função do Estado. Os dois filósofos distinguiam nas virtudes do Homem uma forma de engrandecer o Estado. O despropósito da recomendação do publicitário que ensaia os primeiros passos na política – com vistas ao pleito de 2018, conforme ele próprio confessa – equivale a dizer: não se faz política com políticos ou, na mesma linha do paradoxo, o Estado não é coisa para políticos. Um disparate.
Demos outro sentido ao desastroso conceito do simpático publicitário: retiremos os políticos corruptos da esfera do Estado, limpemos a política de oportunistas, proxenetas, medíocres e trânsfugas da moral. Sob essa linha de raciocínio, pode-se, até, concordar com ele. Afinal, como parafraseia José Ingenieros, em seu livro O Homem Medíocre, “cem políticos torpes, juntos, não valem um estadista genial... e políticos sem ideal marcam o zero absoluto nos termômetros da história”. Mas o combate às mazelas que assolam a política, principalmente dentro de nossa cultura patrimonialista, não pode ser simplesmente trocado pela extinção da classe política.
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