O VOTO E A CABEÇA DO ELEITOR


GAUDÊNCIO TORQUATO

Qual é o roteiro para se conquistar o voto? Quando um eleitor opta por um candidato, que fatores balizam sua decisão? Esta é a instigante questão que os competidores tentarão descobrir na mais renhida disputa eleitoral desses turbulentos tempos que agitam o país. A resposta abriga componentes relacionados à identidade do candidato e ao ambiente social e econômico que cerca os eleitores. No primeiro caso, o eleitor leva em consideração valores como honestidade/seriedade; simplicidade; competência/preparo; capacidade de comunicação; identificação com o novo contra o velho; o entendimento dos problemas da cidade; arrogância/prepotência; simpatia; cordialidade. Sob outra abordagem, o voto quer significar protesto, um castigo aos atuais governantes e a candidatos identificados com os velhos costumes, vontade de mudar ou mesmo aprovação aos perfis que darão continuidade à administração. Neste caso, os pesos da balança assumem o significado de satisfação e insatisfação; ou confiança e desconfiança.

A questão seguinte é saber qual a ordem em que o eleitor coloca essas posições na cabeça e por onde ele começa a decidir seu voto. Não há uma ordem natural. O eleitor tanto pode começar a decidir por um valor representado pelo candidato – empatia, carga conceitual, novidade, capacidade de comunicação - como pelo cinturão social e econômico que o aperta: carestia, violência, desemprego, insatisfação com os serviços públicos precários etc. Os dois blocos de fatores tendem a formar massas conceituais - boas e ruins - na cabeça das pessoas. A exposição dos candidatos na mídia forma um conjunto de impressões na audiência. Serge Tchakhotine, em seu denso livro Mistificação das Massas pela Propaganda Política, refere-se a essas impressões como engramas. São responsáveis pelas associações mentais que as pessoas estabelecem, relacionadas aos nossos desejos e necessidades, convergindo para situações e valores como fome, conforto, esperança, ambição, progresso, sexualidade, fraternidade, vaidade, mudança, melhoria de vida. Esse escopo, por sua vez, opera sob a forma de reflexos condicionados, que atuam sobre a maquinaria psíquica.

Essas impressões serão mais positivas ou mais negativas, de acordo com a capacidade de o candidato formular idéias e apresentar respostas aprovadas ou desaprovadas pelo sistema de cognição dos eleitores. E daí, qual a lógica para a priorização que o eleitor confere às idéias dos candidatos? Nesse ponto, cabe uma pontuação de natureza psicológica. As pessoas tendem a selecionar coisas (fatos, ideias, eventos, perfis) de acordo com os instintos natos de conservação do indivíduo e preservação da espécie. Ou seja, o discurso mais impactante e atraente é o que dá garantias às pessoas de que elas estarão a salvo, tranquilas, alimentadas. O discurso voltado ao estômago do eleitor, ao bolso, à saúde é prioritário. Tudo que diz respeito à melhoria das condições de vida desperta a atenção. (Lembram-se da equação BO+BA+CO+CA – Bolso, Barriga, Coração, Cabeça - sempre recorrente nos textos deste consultor?). Depois, as pessoas são atraídas pelo discurso emotivo, relacionado à solidariedade, ao companheirismo, à vida familiar.

Esses apelos disparam os mecanismos de escolha. Se a insatisfação social for muito alta, os cidadãos tendem a se abrigar no guarda-chuva de candidatos da oposição. Se candidatos com forte tom mudancista provocarem medo, as pessoas recolhem-se na barreira da cautela, temendo que um candidato impetuoso vire a mesa abruptamente. Assim, mesmo rejeitando candidatos apoiados pela situação, os eleitores assumem a atitude dos três macaquinhos: tampam a boca, os ouvidos e olhos e acabam votando em candidatos situacionistas. O maior desafio de um candidato de oposição, dentro dessa lógica, é o de convencer o eleitorado de que não só garantirá como aumentará as conquistas dos seus antecessores, promovendo mudanças que melhorarão a vida das pessoas. Mas o efeito demonstração se faz necessário. Simples promessa não adiantará: é preciso comprovar tim-tim por tim-tim como executará as propostas.

Por isso mesmo, quando o candidato agrega valores positivos, a capacidade de convencimento do eleitor será maior. Não se trata apenas de fazer marketing, mas de expressar caráter, personalidade, a história do candidato. Uma história amparada na coerência, na experiência, na lealdade, na coragem e determinação de cumprir compromissos. Proposta séria e factível transmitida por candidato desacreditado não colará. Cairá no vazio. A desconfiança anula a seriedade da mensagem positiva. Os dois tipos de componentes que determinam as decisões do eleitor - as características pessoais dos candidatos e o quadro de dificuldades da vida cotidiana – caminham, portanto, juntos, amalgamando o processo de decisões dos cidadãos.

Marketing bem feito é aquele que procura juntar essas duas bandas, costurando os aspectos pessoais com os fatores conjunturais, conciliando posições, arrumando os discursos, analisando as demandas das populações, criando ênfases e alinhando as prioridades. O que a comunicação faz, na verdade, é acentuar os estímulos para que o eleitor possa, a partir deles, tomar decisões. E os estímulos começam com a apresentação pessoal dos candidatos, a maneira de se expressar, de se vestir. Os cenários aguçam ou atenuam a atenção. A fluidez de comunicação, a linguagem mais aberta, solta e coloquial, cria um clima de intimidade com o eleitor. Propostas precisam ganhar objetividade, clareza e consistência. As influências sociais e até as características espaciais e temporais despertam ou aquecem as vontades.

O eleitor é uma incógnita. Na eleição de outubro próximo, procurará se esconder mais que em campanhas anteriores. Está desconfiado e crítico. De costas para as velhas promessas. Não quer comprar gato por lebre. Decide com racionalidade, sem esquecer a indignação. Tentar desvendar o que se passa em sua mente – eis o maior desafio dos candidatos.

Gaudêncio Torquato, jornalista, professor titular da USP é consultor político e de comunicação. Twitter: @gaudtorquato


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