Indigência ética

por José Renato Nalini
 
As notícias ambientais no Brasil são as piores. Já sepultamos o princípio da vedação do retrocesso em relação ao Direito Ambiental. A tragédia de Mariana é um passo a mais em direção ao morticínio da fauna e da flora. Com reflexos nas pessoas. O discurso antropocêntrico é insuficiente para debelar os males causados pelo veneno que se espalhará por centenas de quilômetros e levará centenas de anos para desaparecer.

O fenômeno "El Niño" é pouco para explicar as chuvas no sul, a seca no nordeste. O "Velho Chico" praticamente seco. Mas a transposição, tão econômica, não para. Realmente, é uma obra que sanará a seca e compensará os bilhões despendidos.

A ciência continua a mostrar as consequências de nossa crueldade em relação à natureza. Na melhor hipótese, nível do mar em Santos subirá 18 centímetros até 2050. Claro que poderia dizer: não estarei vivo, então o problema é de quem fica. Mas as coisas podem se precipitar. Há algumas décadas, falava-se em fenômenos que ocorreriam dentro de um século. Aconteceram muito antes.

O cenário catastrofista do filme "O Dia Depois de Amanhã", de 2004, pode se converter em realidade. O IPCC, painel de cientistas mundiais que investiga as mudanças climáticas, fala numa subida média do nível do mar entre 28 e 89 centímetros. A causa disso é o aquecimento global. Coisa que não levamos a sério e que insistimos em ignorar.

A recomendação dos cientistas é a construção de anteparos móveis, dentro do mar, para evitar que o aumento das águas atinja ruas, prédios e casas. Outra coisa é construir prédios palafitas, sem garagem. De repente, Santos se tornará uma Veneza...

Mesmo com a carnificina da sexta-feira 13, Paris continuará a sediar o encontro internacional sobre o clima do próximo dezembro. Enquanto cientistas estrangeiros se preocupam bastante, inclusive o inglês David King, representante especial do Ministério das Relações Exteriores Britânico, nós fazemos de conta que não é conosco. King leva a sério a verdade científica: "A Inglaterra é uma nação-ilha! Estamos cercados por oceanos!". Se eles subirem, poderão engolir a sede do Império onde o sol nunca se punha...

O britânico fala em planejamento familiar, em educação da menina para não engravidar precocemente, o que vem a coincidir com a advertência do médico brasileiro ao tratar dos bebês com microcefalia: "Por cautela, não engravidem!". Mas o bolsa-família estimula exatamente o "crescei e multiplicai-vos". O futuro dirá o que deveria ter sido feito. Mas não poderá ser tarde demais?

*José Renato Nalini é presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo

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