QUEM PODE SALVAR DILMA?

 
GAUDÊNCIO TORQUATO
 
          Perguntas recorrentes: Dilma tem salvação? Lula poderá ajudá-la? Ela poderá resgatar parte, mesmo que mínima, da força que perdeu? E o João Santana, com as firulas do marketing, não teria uma alternativa? Comecemos a enfrentar as dúvidas com pequenas lições de Carlos Matus, especialista chileno em Planejamento Situacional, que mostra como um governante pode recuperar seus vetores de peso. Ele é peremptório: o desafio só será possível se o mandatário não ultrapassar o limite de perda de controle sobre a gestão; se a governabilidade não cair abaixo de seu ponto crítico e, ainda, se conseguir reverter o processo de desacumulação de força. Como se aferem tais hipóteses? Por meio de análise acurada sobre os três cinturões que apertam o corpo do governo: o cinturão político, o cinturão econômico e o cinturão da gestão.
Quanto ao primeiro, não há certeza que seja firme. Afrouxa sob qualquer pressão. Basta ver as derrotas infringidas ao Governo na esfera congressual. Faltou quorum (ausência de deputados) em duas reuniões convocadas pelo presidente do Senado para decidir sobre os vetos restantes da presidente Dilma ao pacote fiscal. A óbvia conclusão é a de que a reforma ministerial, um remendo improvisado, não conseguiu satisfazer à base governista. E a ala do PMDB contemplada na reforma, sob a liderança do deputado Leonardo Picciani, tem se mostrado incapaz de amparar o governo. Partidos da base, inconformados, praticamente expulsaram o PMDB de um bloco formado para dar apoio à Dilma. O cinturão político mostra buracos por todos os lados.
Quanto ao cinturão econômico, as análises apontam para a tendência de piora nos números da economia. A inflação sobe a cada mês, as projeções para o PIB convergem para um índice negativo entre 2% a 3,0%, e mais de um milhão de postos fechados. A propósito, o indicador de emprego da FGV recuou de 64,2 para 62,0 pontos entre agosto e setembro; já o indicador de desemprego elevou-se 3,5% em relação a agosto, alcançando 92,6 pontos, o maior patamar desde 2007.
E quanto ao cinturão da gestão, convenhamos, parece muito torto. Qual é a lógica que orienta a gestão? O lema da Pátria Educadora, que serve de pano de fundo para os painéis sob os quais a presidente Dilma faz perorações, envelheceu. O intelectual Renato Janine Ribeiro, colocado na Pasta da Educação para conferir credibilidade ao governo, foi sumariamente demitido. E as obras do PAC? O que fazem os ministérios, que não dispõem de recursos para tocar o dia a dia? A gestão virou congestão.
Ora, se esses três cinturões não se ajustam ao clima do país e não respondem às demandas políticas e sociais, o que se deve esperar? Povo nas ruas. Quem garante que o povo voltará às ruas? A resposta é: dependerá do bolso e do estômago. Serge Tchakhotine, o russo que estudou o nazismo sob a perspectiva da mistificação das massas, pinça os quatro mecanismos que afetam os seres vivos para deles extrair conclusões sobre o comportamento dos indivíduos: impulso combativo e impulso alimentar (dois mecanismos de conservação do indivíduo) e impulso sexual e impulso paternal (dois mecanismos da conservação da espécie). Pois bem, as reações dos seres humanos derivam desses impulsos. Que, segundo Pavlov, sustentam a base das reações ou dos reflexos inatos das pessoas. Para sobreviver, o indivíduo vai à luta, buscando todos os meios e recursos. O alimento é um deles. E o alimento depende do bolso que, vazio, deve expandir a indignação social. As massas nas ruas – inclusive contingentes das classes C e D – não constituem, portanto, um ponto fora da curva.
Torna-se, portanto, previsível a reocupação das ruas pelos movimentos sociais, bastando, para tanto, que o bolso vazio agite o animus animandi da massa. O mês de novembro deverá reinaugurar o ciclo da agitação. A descarga da massa fará pressão sobre a representação política. Expliquemos essa condição. A massa, ensina Elias Canetti em Massa e Poder, vive em função de sua descarga. Ela passa por um período longo, ganhando densidade, preparando-se para o momento de descarga. O grito espontâneo da massa expressa sentimentos de qualquer espécie. A massa, uma vez formada, quer crescer rapidamente. E o estouro é transição de uma massa fechada para uma massa aberta. A massa aberta é um cenário plenamente integrado à moldura de grandes apertos e necessidades.
            Se as ruas não serão favoráveis à Dilma, quem será? Luiz Inácio? Poderia ajudar a pupila a sair do enrosco? A política ensina: não é viável combinar sacrifícios econômicos e recessão transitória com crescimento, aumento de emprego e justiça social. Assoviar e chupar cana ao mesmo tempo é, portanto, tarefa impossível. Mas dom Lula prega isso. Gostaria de tirar Joaquim Levy e voltar a aplicar a fórmula que adotou em 2008 – acesso ao consumo, dinheiro farto para abrigar empresas, gastança incontrolável. Lula versus Dilma? Nunca na aparência, só na moita. Enquanto Dilma luta pela aprovação da receita ortodoxa, Lula prega a volta ao consumo. Quer voltar ao Planalto. Para tanto, Dilma tem de sair. Não pelas portas do fundo – impeachment – mas pelas portas da frente, pela renúncia, podendo justificar esse ato como necessidade de tratamento de saúde. O impeachment acabaria queimando a imagem de Lula como candidato da oposição em 2018.
            O marketing pode fazer com que Dilma recupere força? Marketing vazio – sem substância, sem conteúdo, – não ajuda. João Santana sumiu. Cadê o Santana? Dele não esperem milagre. A enganação psíquica já não enrola os brasileiros. Dilma pode gritar: o Bolsa Família, o Minha Casa, Minha Vida, o FIES e o Pronatec estão salvando o povo. Balela. A presidente perdeu credibilidade. E a realidade suplanta o discurso.  
            Dilma tem salvação? Sim. Basta que Deus, na condição de brasileiro, despeje farto maná sobre o território. E a economia saudável seja um gigantesco cobertor. 
 
Gaudêncio Torquato, jornalista, professor titular da USP é consultor político e de comunicação. Twitter: @gaudtorquato

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