Sobreviver com decência

*José Renato Nalini

Crise como a ora enfrentada é muito mais séria do que se imagina. Tenho reafirmado que "ainda não caiu a ficha" para muita gente que se ilude e tenta se enganar, dizendo que este ano é igual a tantos outros. Não é. A gravidade é intensa e crescente. Quem tiver juízo se preparará porque a coisa ainda vai piorar.
Algo que as pessoas podem fazer para sobreviver com decência é recuperar habilidades e talentos e cuidar de reforçar o orçamento. O artesanato, que para alguns é hobby, pode se tornar um instrumento de recuperação do poder aquisitivo das famílias. Os jovens mais criativos não se deixam iludir e partem para a luta. Mas há pessoas idosas também capazes de exercer seus talentos e, com isso, propiciar ingressos para a economia doméstica debilitada pela contínua alta dos preços.
Cooperativas podem ser formadas para organizar o trabalho e precificar a produção, pois um mínimo de formalidade é essencial. Existe o SEBRAE, uma das poucas boas coisas da República, apoio para microempreendedores que, formalizados, ganham – em média – três vezes mais do que os informais.
Há experiências exitosas de mulheres que bordam quadros com motivos escolhidos por elas ou por encomenda. O grupo dá lucro, mas ainda é considerado uma espécie de terapia por algumas de suas integrantes. O mesmo pode ser feito em termos de crochê, tricô, corte e costura e outros trabalhos manuais.
O universo da gastronomia é outro que pode socorrer o déficit do lar. Quem domina a arte de fazer salgados ou doces, pode até dobrar o ingresso de recursos em sua casa. Confeccionar brinquedos, por exemplo bonecas de pano, pode ser lucrativo. Assim como o cultivo de plantas ornamentais ou a confecção de mudas de árvores.
Um espaço que está a reclamar protagonismo é o do cuidador. Muitas pessoas precisam de cuidadores preparados. Não é fácil encontrar quem se disponha a permanecer ao lado de uma pessoa desconhecida, zelando para que nada de mal aconteça a ela e se responsabilizando por seu bem-estar.
Em fases críticas, assim como aquela que estamos hoje enfrentando, cumpre resgatar velhas práticas e habilidades, assim como a encadernação. Há um grande mercado para aquilo que se faz em âmbito restrito, em caráter amadoristico, mas que pode se tornar uma verdadeira arma de sobrevivência num período de carências, restrições e contingenciamentos.
Demos asas à imaginação e ousemos, para que possamos superar a crise e, ao mesmo tempo, nos distrair com o trabalho. Atividade que é um verdadeiro prazer para quem o encara com amor.  
*José Renato Nalini é presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo

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