DILMA AGUENTARÁ O TRANCO?

GAUDÊNCIO TORQUATO
 
A pergunta é recorrente: Dilma aguentará o tranco ou sairá? Se permanecer, terá condições de resgatar a imagem positiva? Se sair, será pela porta da frente da renúncia ou pela porta dos fundos do impeachment? Para responder a estas intrincadas questões, vejamos, antes, o método de um exímio especialista em análise de governos. Carlos Matus, um dos maiores especialistas mundiais em planejamento governamental, tendo sido ministro de Salvador Allende, dá pistas para as respostas quando expõe sua famosa teoria conhecida como PES - Planejamento Estratégico Situacional. Diferentemente da abordagem tradicional, procura enxergar a realidade e, a partir daí, diagnostica planos de governo, verificando os fatores e controles que podem torná-los viáveis e eficazes. O PES não é determinista e não se limita ao foco socioeconômico como o planejamento tradicional.             Pois bem, a ação global de um governo resulta de três balanços: a gestão política, a programação macroeconômica e o intercâmbio de problemas específicos. A gestão política abarca a articulação entre o Executivo e a esfera da representação, o que implica aperfeiçoamento das instituições democráticas. Nessa área, o governo Dilma tem deixado a desejar. Está muito aquém dos resultados esperados. A governabilidade atravessa um período de instabilidade, com as tensões entre os dois Poderes e impactos negativos sobre as medidas no campo econômico que o governo encaminhou às casas congressuais. Veja-se o pacotão recém definido pelo Executivo, que inclui a famigerada CPMF, cortes no Sistema S e no programa de estímulo às exportações (Reintegra), a par de cortes em alguns programas destinados às classes C, D e E (Pronatec, Fies, Prouni, Bolsa Família, Minha Casa, Minha Vida).
            Dilma não aprecia a negociação política. É de sua índole. No primeiro mandato, delegou a articulação política a ministros próximos, sob a evidência de que nunca gostou de atender a pressão de representantes para tirar ou nomear seus indicados para cargos na estrutura governativa. Resistiu como pode aos ditames do presidencialismo de coalizão. Transformou-o em presidencialismo de colisão. Hoje, depois de seu entorno sabotar a missão do vice-presidente Michel Temer na frente da articulação política, ela tenta recompor o meio de campo, mas as condições geradas na esteira da desorganização da gestão estão tão deterioradas que será inócuo o esforço para ganhar a confiança de sua própria base partidária. Em matéria de balanço política, entre 0 a 10, a nota é algo próximo a 3.
            Já o balanço macroeconômico gera, em sua lista de benefícios e males, os efeitos políticos e sociais do manejo da economia. Agrega, em suma, os programas para o crescimento econômico, o emprego, o comércio exterior, a taxa de inflação e o bem-estar material, fator este que, em última análise, resulta em mais dinheiro no bolso e mais tranqüilidade social. Ora, o que enxergamos? Um PIB negativo para este ano, com projeção de até – 2%; uma taxa de desemprego, que gira em torno de 9%, chegando na região metropolitana de São Paulo a mais de 13%; o desincentivo às exportações, com o corte no programa Reintegra; uma inflação que se aproxima de dois dígitos.  Esses são os traços que assombram a sociedade, expandindo as necessidades, trazendo o medo e gerando insegurança. A violência volta a crescer. O país se aproxima celeremente do despenhadeiro. O balanço da economia aponta para uma nota abaixo de cinco.
            A terceira área de balanço refere-se aos programas pontuais e temáticos, aqueles mais diretamente ligados às demandas urgentes das populações, como saúde, mobilidade urbana, educação, habitação, saneamento básico, segurança etc. O que dizer deles? Que os governos do PT melhoraram a estrutura social, alavancaram o poder de compra das margens, conseguindo o feito de inserir cerca de 30 milhões de brasileiros no mapa do consumo. Mas esse contingente, a classe C, começa a perder os ganhos obtidos e a crise econômica ameaça jogá-la no patamar de onde veio. O sentimento de perda amortece o espírito. Os equipamentos dos serviços públicos formam um desenho de deterioração. A população carente é a mais atingida. O Produto Nacional Bruto da Infelicidade cresce. E a nota para o balanço social não passa de um 4.
            Ante esses balanços, tentemos a resposta: com uma nota geral abaixo de 5, Dilma será reprovada nas áreas política, econômica e social. Se a nota cair mais ainda, até novembro, com o afundamento dos pilares econômicos, formar-se-á o ambiente para a saída da presidente da sala de aula. A locomotiva da economia puxaria o trem da política. E o tal impeachment poderia, até, ganharia um argumento legal. Decisão que caberia aos Tribunais. Nesse caso, a saída seria pela porta do fundo. Já a renúncia equivaleria a uma saída pela porta de frente. Improvável. O caráter da presidente não combina com essa atitude. A permanência na cadeira presencial vai exigir uma recuperação, mesmo tênue, da alavanca econômica, o que implicará aprovação do pacote político, com aumento de impostos, e um calvário continuado para todas as classes sociais. A radiografia será mais tétrica caso chegue a mostrar tumores provocados pela metástase da Lava Jato. Ou seja, se a presidente ou o ex-presidente Lula forem flagrados nos dutos da Petrobras. Nesse caso, não haveria tábua de salvação capaz de salvar os náufragos da borrasca.
            E o imponderável? O milagre de uma recuperação rápida, com Lula montando o cavalo de São Jorge para matar o dragão da maldade, no caso políticos acusados de tramarem contra a eficiente presidente Dilma? Seria o milagre que tiraria Dilma do inferno e a levaria para o Céu. Tudo é possível. Deus, nesse caso, seria brasileiro e, mais que isso, filiado ao PT.
 
Gaudêncio Torquato, jornalista, professor titular da USP é consultor político e de comunicação. Twitter: @gaudtorquato

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