O terreno do relativo, por José Renato Nalini

 
Na Democracia pluralista, modelo adotado pelo Brasil, não há lugar para o absoluto. Para conviver é preciso transigir. A rigidez, a postura inflexível, leva a rupturas. Por que o caniço é preservado e o carvalho tomba com a tempestade?

Sei que esse discurso incomoda os preconceituosos. Aqueles que têm a única verdade, que são detentores da única sabedoria, os que não perdoam. Mas pagam o seu preço. Para os humildes, o espaço reservado ao convívio tem lugar também para a compreensão. Se vamos conviver, vamos respeitar as opiniões adversas. Mesmo que não concordemos com elas.

O que me leva a estas conjecturas é o drama carcerário do Brasil. Copiamos os Estados Unidos, mais uma vez, para prender todos os infratores. Como se a segregação fosse a única regra e a última opção.

Verdade que há aqueles que não podem sair da prisão. Mas o maior número, pela minha experiência, é daqueles que não podem ingressar nela. São Paulo tem mais da metade dos presos do Brasil. Não tem a metade da população brasileira. Algo de errado nisso? Precisamos meditar a respeito.

Visitei, na companhia do Corregedor Geral da Justiça, Des. Hamilton Elliot Ackel, do Desembargador Silvio Marques Neto, do Des. Otávio Toledo, de outros magistrados e interessados no problema, uma das instituições APAC em Minas Gerais. Ali me honrou com sua presença o Corregedor Geral da Justiça mineira, o Des. Luiz Audebert Delage, que acredita nessa proposta.

O Método APAC nasceu em São Paulo, fruto da inspiração de um homem exemplar, Mário Ottoboni. É baseado na crença de que o homem tem salvação. Vigorou durante algum tempo e produziu resultados. Mas foi detonado em seguida. Minas se valeu da nossa experiência e introduziu a metodologia com a qual está muito satisfeita.

Vale a pena o esforço para trazê-la de volta à origem. Vi em Pouso Alegre uma instituição na qual os reeducandos se sentem merecedores da dignidade prevista como imperativo na Constituição da República. Ouvi ali do Corregedor mineiro que "o homem é maior do que seu erro". Tem de ter uma chance de reinserção. Com a participação efetiva da sociedade, origem de uma geração de infratores cada vez mais novos.

Falhamos todos quando deixamos a família se desestruturara escola não cumprir com sua obrigação de fazer a criança e o jovem mais feliz e interessado em vivenciar valores como o trabalho, o empenho, o sacrifício, mas o convertemos em criatura robotizada, mais interessada em ganhar tudo gratuitamente, sem esforço, sem a menor participação pessoal.

Precisamos pensar em outras fórmulas de recuperação do ser humano que não a prisão como ela é hoje. Um depósito de seres humanos, suscetíveis de serem cooptados pela empresa que sobrevive da delinquência. É obrigação da sociedade dos bem pensantes, da lucidez brasileira, discutir estratégias de reinserção e de abrir oportunidades para quem delinquiu. Mas não perdeu a condição humana por causa disso. Em sua maioria, os infratores são jovens. Terão muito tempo pela frente. Precisam participar da construção de uma sociedade mais solidária e, se possível, fraterna. Esse o desejo da Constituição. Esse o ideal que só será utópico se não nos esforçarmos para convertê-lo em realidade.

*José Renato Nalini é presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo

Comentários