Urgências da Justiça, José Renato Nalini

 
Durante o 102º Encontro do Colégio Brasileiro de Presidentes de Tribunais de Justiça, o Ministro ENRIQUE RICARDO LEWANDOWSKI, Presidente do Supremo Tribunal Federal e do Conselho Nacional de Justiça, reiterou as urgências do Poder Judiciário no Brasil.

Diante das circunstâncias presentes, enfatizou o primordial papel da Justiça como garantidora da estabilidade democrática. O Judiciário tem a missão de pacificar. De harmonizar. De solucionar problemas. Seu funcionamento eficiente é um aval à consolidação de um Estado de Direito de índole democrática, instituído formal e materialmente na República a partir de 5.10.1988.

Depois, nenhum brasileiro pode estar dispensado de refletir sobre a doença que acometeu a Nação: o demandismo. O excesso de judicialização. A explosão de ações judiciais. O exagero de mais de 100 milhões de processos em um País com 202 milhões de habitantes. Mensagem falaciosa ao restante do Planeta de que o Brasil é a República mais beligerante sobre a face da Terra.

É urgente despertar a cidadania para o princípio da subsidiariedade. Ninguém precisa pedir ao outro que o ajude a fazer aquilo que pode realizar sozinho. Se a família for capaz de atender a uma necessidade, não é necessário invocar auxílio de fora. O bairro pode assumir responsabilidades e resolver alguns problemas locais. O município idem. O Estado-membro também não é obrigado a recorrer sempre à União.

Hoje, a população é conduzida a agir como uma criança incapaz de satisfazer à mais insignificante de suas necessidades. O Estado-babá está aí para atender a todas as aspirações. Estas são infinitas. Os recursos financeiros finitos e limitados. Daí a insatisfação, a insaciabilidade egoísta, a assunção do estado de vítima impotente, que nada consegue se não houver o assistencialismo estatal.

É o que se reflete numa Justiça chamada a intervir em assuntos que poderiam ser resolvidos de maneira mais rápida, mais barata e eficiente numa conversa. Num diálogo de que participassem os advogados. Estes também precisam se recordar de que é dever profissional priorizar as conciliações e dissuadir a parte a ingressar com aventura judiciária.

Outro problema grave do Brasil é o excesso de encarceramento. Estamos acostumados a responder com prisão a toda e qualquer infração. A privação da liberdade é um mal que deve ser reservado para indivíduos que não podem conviver em sociedade. Mas uma enorme legião de encarcerados mereceria outra pena. Existem mais de cinquenta respostas possíveis para quem pratica um delito. Quem atropela e mata, não estaria melhor num pronto-socorro a prestar serviços à comunidade? Ou a ser cuidador de pessoas que ficaram com restrições físicas em virtude de acidente automobilístico?

O pichador não poderia recuperar os bens conspurcados e outros que seus colegas também sujaram? O infrator que tem condições, não sofreria mais se tivesse de ressarcir ou de pagar multas, em lugar de permanecer preso por um período e garantir os depósitos feitos em contas no exterior?

Nessa ordem, foi o que o Ministro LEWANDOWSKI elencou. Há remédio para tudo isso. Melhor capacitação dos profissionais da área jurídica. Faculdades que ensinem a pacificar, a solucionar problemas, não apenas a ingressar em juízo. Multiplicação de fórmulas de solução pacífica de controvérsias, mediante chamamento de toda a sociedade a participar de iniciativas como o CEJUSC - Centros Judiciais de Solução de Conflitos e Cidadania, que o Tribunal de São Paulo iniciou há dois anos e que vê com os melhores resultados. NECRIM, iniciativa dos delegados de polícia, a conciliação em Cartório Extrajudicial, iniciativa abortada provisoriamente, mas que deve ser restaurada. Mesmo porque, é função legal do notário formalizar a vontade das partes e se estas quiserem ajustar um acordo, ele o fará. Conciliação a ser feita por policiais militares, que têm experiência na harmonização comunitária e que a seu favor podem invocar a hierarquia e disciplina. Métodos de resolução de desentendimentos implementados por Igrejas e confissões religiosas, por empresas, por ONGs. Por todos, enfim. Porque em jogo não está desobstruir o Judiciário de sua intolerável e invencível carga de trabalho. O que está em jogo é acordar a cidadania para uma participação efetiva na gestão da coisa pública. Se as pessoas continuarem dependentes de assistência integral, nunca crescerão. O Brasil continuará a produzir uma população infantilizada, submissa e incapaz de atuar para transformar esta Nação na Pátria com que todos sonhamos.

Vamos em frente e aceitemos o desafio de reconstruir a cultura brasileira rumo a um estágio civilizatório compatível com os nossos mais legítimos anseios.

*José Renato Nalini é presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo

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