Justiça precisa de Conselho?, por José Renato Nalini


Instalou-se com ato formal e solene o CCI – Conselho Consultivo Interinstitucional do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Resulta da consciência da atual gestão do maior colegiado judiciário não só do Brasil mas do planeta, de que Democracia Participativa significa abrir espaço para que a cidadania conheça, discuta e opine sobre políticas públicas. As gestões bienais são insuficientes para arejar um organismo tradicionalmente hermético, insulado numa concepção exclusivamente jurídica do mundo, infenso a transformações, resistente à modernidade e aparentemente satisfeito com o seu papel de institucionalizador dos conflitos, mais do que disposto a assumir a missão de solucionador de problemas.
Além dos parceiros tradicionais do Poder Judiciário, abriu-se espaço a um protagonismo singular. Representantes do empresariado, das instituições financeiras, dos institutos de pesquisa, do setor de serviços, da mídia e de outros segmentos de que se compõe a sociedade foram chamados a uma reflexão em torno ao sistema Justiça.
Um sistema que se tornou complexo, diante de evidente agigantamento e cada vez mais dispendioso. Orçamento bilionário é insuficiente a fazer face ao custeio, quase todo destinado ao pagamento de pessoal.
Não se dispõe de padrões para evidenciar o que significa um Judiciário eficiente. Eficiência é sinônimo de celeridade? Somente agora se engatinha rumo à adoção de metas e de critérios de avaliação. Incipiente a adoção de políticas de incentivo à produtividade, de estímulo ao servidor para que se conscientize de que sua tarefa é essencial e relevante. Justiça é um serviço público, realizado por pessoas e tendo pessoas por destinatárias.
A extrema judicialização de todos os assuntos fez do Brasil o território livre da hermenêutica. As decisões judiciais, fruto das mais díspares interpretações, tendem para todas as direções e tornam os destinatários perplexos, por não compreenderem como um único e mesmo texto de lei pode merecer leituras antagônicas.
São temas recorrentes e o elemento interno, magistrados e servidores, nem sempre conseguem discuti-los com isenção. O acúmulo de processos inibe o desenvolvimento de políticas judiciárias aptas à conversão desse complexo num organismo produtor de soluções. Sustentado pelo povo, o Judiciário também não apresenta uma tradição de contínua reciclagem, para assumir racionalidade e otimizar gastos.
Daí a iniciativa de convocação da sociedade civil, à qual o Judiciário está preordenado a bem servir. A construção do novo não prescinde da ressignificação do passado e a partir de uma História de tradições respeitáveis, a Justiça pode reconstruir-se para melhor atender às expectativas da comunidade. A amplitude da discussão, com focos distintos, sem a rotineira homogeneidade do pensamento jurídico, poderá reverter a ínsita resistência, o temor pelo novo e ressimbolizar tudo o que se encontra em descompasso com as demandas do porvir.
Tudo tem por fundamento a consolidação da Democracia na República Federativa do Brasil. Uma Democracia que o constituinte quis participativa, não meramente representativa. A Portaria 8.964/2014, ao criar o CCI, pretendeu inaugurar um verdadeiro laboratório de práticas democráticas. Sua função é detectar, debater, problematizar, criticar, sugerir e fornecer elementos para o aperfeiçoamento do Poder Judiciário Bandeirante.
É o embrião de uma nova concepção de Justiça, ancorada no pressuposto da colegialidade. A enormidade do equipamento não condiz com a pretensa onisciência dos transitórios Administradores do Judiciário. Assumir a verdade incontestável de que problemas complexos demandam soluções estruturais e esforços conjuntos é um passo decisivo que exigiu audácia e coragem.
Aposta-se no caráter pedagógico da Democracia, que se reveste da peculiar característica de se aperfeiçoar na mesma proporção em que se vê utilizada. Acredita-se num novo pacto relacional, no qual o plus pedagógico acarreta um plus de responsabilidade. As decisões geradas de estudos em conjunto vinculam todos os que o integram. Muitas cabeças pensam melhor do que apenas uma.
Inicia-se com o mais urgente: como preservar os serviços já oferecidos à população e como atender aos inúmeros e crescentes reclamos por sua amplificação, diante de reiteradas contingências orçamentárias? Como prover o Judiciário paulista, com sua inacreditável dimensão, de recursos financeiros suficientes à manutenção daquilo que já existe e que não tem condições imediatas de ser reduzido?
A criatividade, a imaginação, o bom senso de quem teve de sobreviver num capitalismo selvagem, reaparelhou-se, enxugou-se, adotou métodos mais inteligentes, será vital no redesenho do modelo. Em seguida, cumpre disseminar a cultura da conciliação, para que ao Judiciário convencional só cheguem as questões que de fato merecem a apreciação de um profissional especializado e de sofisticada formação, como é a do juiz de direito brasileiro.
Muitas outras veredas poderão ser percorridas por esse colegiado heterogêneo, cujo núcleo comum é o interesse por aprimorar um sistema de Justiça diuturnamente acionado para responder a todos os anseios e que, era natural, se mostrou incapaz de satisfazer a contento a esse volume excessivo de demandas.
A composição do CCI contemplou o que era possível em termos de operacionalidade. Não significa que a sociedade esteja dispensada de continuar a contribuir com suas propostas e críticas, pois o Judiciário é de todos e ninguém está excluído da missão de torna-lo a cada dia melhor. É o que se espera da gente paulista, que nunca se recusou a enfrentar desafios e a tornar o amanhã mais promissor, auspicioso e digno de seus descendentes.
*José Renato Nalini é presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo

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