Desorganizando

Reginaldo Villazón

É sempre interessante refletir sobre os caminhos humanos através da história. Muitas vezes, tem-se a impressão de que o homem é autor consciente dos seus trajetos. Outras vezes, percebe-se que a esta consciência é um privilégio de poucos iluminados. De qualquer jeito, é improvável que os acontecimentos da história sejam aleatórios e incoerentes. Toda reflexão imparcial mostra que o ser humano nunca cometeu desacertos graves que pusessem em risco a sua existência. Ao contrário, a história humana é uma história de evolução.

A organização do trabalho através dos tempos é um assunto de importância dilatada por causa das conseqüências políticas, econômicas e sociais. Ela diz respeito a relações de poder, repartição da renda e segmentação social. Ela se relaciona com as lutas de classes, assinaladas por confrontações físicas, jurídicas, filosóficas e políticas.

Na Europa medieval, com a formação de cidades, surgiram as chamadas "corporações de ofício". Eram associações profissionais com as finalidades de produzir e comercializar produtos e serviços. A produção artesanal abrangia roupas, chapéus, pães, vinhos, móveis e outros. Cada corporação era especializada num produto ou serviço. Seus componentes trabalhavam organizados numa hierarquia rígida: havia mestres, oficiais e aprendizes. Os títulos profissionais "mestre carpinteiro" e "oficial de barbeiro" têm origem nestas corporações.

As corporações de ofício significaram um avanço na economia medieval fundamentada na posse da terra pelos nobres e no trabalho dos servos. Mas elas se tornaram frágeis diante das transformações ocorridas na Europa, na passagem da Idade Média para a Idade Moderna. A produção de bens e serviços ganhou produtividade com a adoção de novas técnicas e ferramentas, o comércio local foi invadido por produtos e serviços ofertados em larga escala. Surgiu a figura do capitalista, o proprietário dos meios de produção.

A decadência das associações de ofício não impediu o capitalismo de reorganizar o trabalho humano sob hierarquia e normas inflexíveis. Ainda, na segunda metade do século passado, as empresas industriais e comerciais mantinham seu sistema administrativo próximo ao do militar. Patrões, gerentes e empregados desempenhavam seus papéis, e pronto.

Hoje, é possível saber de empresas que remuneram muito bem seus proprietários, mas pagam salários pequenos aos empregados. No entanto, é possível saber de empresas que pagam bons salários aos empregados e ainda sustentam benefícios, como planos de saúde e cestas básicas. Há empresas que qualificam seus empregados e lhes distribui participação nos lucros. Há empresas democráticas, flexíveis e eficientes em que seus "colaboradores" podem trabalhar em trajes esportivos e acompanhados de seus animais de estimação. Não se pode descrever o perfil atual das empresas. Nem o perfil atual dos trabalhadores. Empresas voltadas para a tradição buscam trabalhadores obedientes e refugam os empreendedores. Empresas avançadas fazem exatamente o contrário. Do lado dos trabalhadores, cresce o número dos que não suportam cumprir ordens nas empresas tradicionais e preferem aproveitar as oportunidades de trabalhar por conta própria. Dar banho em idosos, tosquiar cães e gatos, executar serviços elétricos e hidráulicos, tocar música, ministrar aulas particulares, consertar roupas, preparar doces e salgados são exemplos de atividades de bons profissionais livres.

O cenário do emprego indica que a desorganização do trabalho nas empresas pode abrir possibilidades de formas mais descontraídas e seguras de produzir e comercializar. Hoje, patrões e empregados têm mais escolhas a fazer nas suas conversações.

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