Direito e animais

Isabella Ribeiro, Thatiane Borges e Cláudio Lopes
 
A discussão acerca dos direitos dos animais irracionais foi recentemente reacesa no Brasil após o episódio de invasão do prédio do Instituto Royal, em São Roque, em outubro passado. Na ocasião, ativistas, alegando maus-tratos, soltaram 178 cães da raça beagle e 7 coelhos utilizados em testes de medicações para diferentes doenças humanas. Esse e outros episódios semelhantes ocorridos no Brasil e no mundo remetem a uma questão ética, relativamente antiga na sociedade: é correto ou não utilizar animais em pesquisas e testes científicos? Não apenas isso; tais episódios suscitam discussões sobre como o legislador deve encarar o direito dos animais: devem os bichos receber tratamento jurídico semelhante ao dos seres humanos?
A questão é contemporânea, mas a História nos revela que, desde os tempos dos primeiros filósofos, o assunto era alvo de reflexões e, em uma espécie de divisor de águas, encontramos grandes nomes da filosofia que assumem posições distintas. René Descartes afirmava que os animais não possuíam alma e, por consequência, não eram seres capazes de pensar e sentir dor, podendo sofrer maus-tratos. Em contrapartida, Rousseau defendia que os seres humanos são animais e, sendo os animais seres que possuem sensações, os "animais não humanos" também deveriam participar dos direitos naturais.
De criaturas insignificantes, utilizadas indiscriminadamente, os animais passaram, ao longo dos anos, a protagonistas de debates e discussões que têm por escopo a criação e a defesa de seus direitos. O que mudou no evoluir da História, qual o ponto sensível e tangível dessa mudança são questões que ainda geram respostas inexatas e divergentes. O que se sabe é que a visão sobre os animais sofreu uma mudança gradativa que hoje, supostamente, dá respaldo para que estes tenham seus direitos equiparados aos do ser humano.
O movimento social moderno dos direitos dos animais não se restringe ao âmbito filosófico. Contemporaneamente, ele preenche diversas camadas da sociedade, sendo debatido e orientado por ONGs e grupos variados, engajados na valoração moral e ética do tratamento do ser humano para com os animais. E esses grupos atacam com veemência – inclusive com uso da força – quaisquer usos dos animais que, teoricamente, atinjam sua integridade.
Esses movimentos em defesa dos animais derivam, em certa medida, do vínculo afetivo desenvolvido entre humanos e bichos: estes deixaram de ser vistos como meros instrumentos de trabalho ou alimento e se tornaram seres de estimação, membros da família, merecedores de respeito e detentores de direitos. A grande questão é que, na defesa desses direitos, há uma clara preferência por aqueles animais com os quais o homem mais se identifica ou se relaciona. Nas campanhas pelos direitos dos animais, são divulgados, em geral, fotos de cães, coelhinhos, macacos e baleias – bichos que despertam maior solidariedade e simpatia das pessoas –, deixando de lado outros não tão populares, como ratos e cobras. Isso evidencia a hipocrisia que muitas vezes entorna a luta pelos direitos dos animais: nem todos eles merecem a mesma atenção e proteção.
Diante dessas contradições dos movimentos pelos direitos dos animais e dos claros benefícios proporcionados pelas pesquisas científicas com animais irracionais ao longo dos anos (remédios, vacinas, tratamentos), o legislador, ao elaborar leis concernentes a essa matéria, não deve equiparar o valor dos direitos dos animais àquele atribuído aos direitos humanos. Para além do fato de o homem possuir habilidades que o diferenciam de qualquer outro animal da Terra, o Estado Democrático de Direito erigiu como um de seus princípios basilares a dignidade da pessoa humana. Disso decorre que devemos, primeiramente, defender nossa própria espécie. Isso significa utilizar, dentro dos parâmetros da necessidade e da razoabilidade, animais em testes e pesquisas que contribuam para a melhoria das condições de vida do ser humano.
A grande dificuldade na questão dos direitos dos animais é que as discussões quase sempre se situam em extremos: ou as pessoas negam que os animais irracionais sejam portadores de qualquer tipo de direito, ou os colocam em um pedestal, ofuscando o próprio ser humano. Pesquisas científicas podem e devem ser feitas; cabe ao Direito criar normas que garantam o mínimo de sofrimento e crueldade possíveis nos procedimentos e fiscalizar, efetivamente, aqueles já existentes. Em síntese, como seres racionais e dotados de consciência que somos, é preciso que regulemos esse uso, criando barreiras e limites, sem com isso comprometer nossa própria espécie ou legitimar a barbárie.
Isabella Cristhina Prado Ribeiro: Acadêmica do Curso de Direito da UFG – Câmpus de Goiânia (GO). E-mail: isabellacristhina@hotmail.com
Thatiane Borges Oliveira: Acadêmica do Curso de Direito da UFG – Câmpus de Goiânia (GO). E-mail: thatianeborges@live.com
Cláudio Ribeiro Lopes: Professor do Curso de Direito da UFMS – Câmpus de Três Lagoas (MS). Email: clopes@stetnet.com.br
 

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