Desobediência

Reginaldo Villazón
A observação do mundo permite verificar um quadro geral de povos organizados em diferentes sistemas políticos, mas quase sempre com uma nítida distância entre as ações dos governantes e as aspirações dos governados. Por este motivo, ocorrem reações populares pacíficas, violentas ou armadas, que os noticiários exibem, em países democráticos, pouco democráticos e não-democráticos.
Na Europa, as manifestações acontecem em países modernos (Alemanha, Bélgica, Espanha, França e outros), em protesto contra as políticas econômicas e sociais dos governos. No Norte da África e no Oriente Médio, povos do mundo árabe (Argélia, Egito, Jordânia, Líbia, Marrocos, Síria, Tunísia e outros) lutam desde 2010 pela instalação de governos democráticos.
O Brasil vinha com passeatas, contra tarifas do transporte público, desde 2012. Mas a gota d‘água, que gerou a onda de protestos políticos no país, foi o reajuste das tarifas de ônibus, metrô e trens urbanos na cidade de São Paulo (de R$ 3,00 para R$ 3,20 a partir de 02 de junho de 2013). O conteúdo forte dos protestos, contra a classe política, a mídia não mostrou.
Parece estranho que até em países democráticos, como o Brasil, onde as eleições são regulares e a ordem jurídica é respeitada, seja preciso o povo sair às ruas para dizer não às tarifas abusivas, à má qualidade e à insuficiência do transporte público. Para mostrar indignação contra o descaso com saúde e educação, contra os gastos públicos desnecessários, contra a corrupção e a impunidade.
Fica claro que a democracia representativa, fundamentada nas eleições, não é suficiente para o funcionamento da democracia. A pauta dos protestos e a propagação do movimento pelo país mostram que os políticos, representantes do povo, de alto a baixo, não estão vinculados com o povo. Isto quer dizer que, além da democracia representativa, é necessária a democracia participativa.
Eleger representantes políticos e depois obedecê-los é viver numa ditadura. Tão ditadura como outra sem eleições. Numa democracia de fato, a ordem é votar e depois desobedecer quando for preciso. Assim, os protestos das minorias e das grandes massas, o enfrentamento da força policial e a desobediência civil são atitudes importantes e necessárias para normalidade democrática.
Na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão (1793), da Revolução Francesa, o Artigo 35 reza: "Quando o governo viola o direito do povo, a insurreição é, para o povo e cada parcela do povo, o mais sagrado dos direitos e o mais indispensável dos deveres". Na Constituição de Portugal, o Artigo 21 diz: "Todos têm o direito de resistir a qualquer ordem que ofenda os seus direitos, liberdades e garantias e de repelir pela força qualquer agressão, quando não seja possível recorrer à autoridade pública".
A Constituição do Brasil não distingue o Direito de Resistência. Porém, assegura: "Todo poder emana do povo" e "Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não exclui outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte".
O movimento de protestos do povo brasileiro é um bom sinal. O povo está cumprindo seu dever de contestar os governantes e seus atos injustos. A democracia vai ser restaurada. Assim, o país vai retomar o caminho da legalidade, da moralidade e da construção de um futuro melhor.

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