A dialética do absurdo e a síndrome de sisifo

Por Cláudio Ribeiro Lopes
Decidi escrever parcas linhas sobre os recentes acontecimentos no Rio de Janeiro: Um grupo de operações da Polícia Civil fluminense alvejou, via aérea, um veículo no qual se supunha estar um afamado marginal carioca, de alcunha "Matemático", e algumas repercussões daí originadas. A operação foi toda ela filmada, inclusive com áudio, sendo publicizada em programa midiático domingueiro.
Incrível é que passei a acompanhar, não apenas por rede social, mas também pelos meios comuns, as reações populares (daí eu nunca estranhar o porquê de, em época remota, se ter logrado a condenação de Cristo...). Não pretendo aqui, jamais, comparar o ícone máximo do Cristianismo com a pessoa-alvo da "operação" em que se executou um dos maiores líderes do tráfico de drogas no RJ (como se, imediatamente, não fosse surgir seu substituto imediato...). Mas não consigo acompanhar a ideia de que a voz do povo seria a voz de Deus ou de qualquer outra divindade.
Bem, vamos ao ponto: Tenho acompanhado com certo receio as declarações de muitas pessoas nos últimos dias; parece estar se formando e firmando um certo ar de desdém com respeito à Democracia. Sinto a formação de um caldo de cultura que privilegia determinados comportamentos autoritários em detrimento e menoscabo da preservação da liberdade. Óbvio que não se concebe, aqui, um conceito absoluto de liberdade, mas penso soar coerente e consequente com a evolução histórica dos Direitos Humanos o rechaço a toda e qualquer forma de absolutismo.
Nessa perspectiva, se se pode falar em termos absolutos, deveríamos nos voltar para a intransigente defesa das liberdades públicas negativas. Pregar o menoscabo dos direitos fundamentais sob a pretensa alegação de que outrora, sob regime que minava ou eliminava as liberdades, a vida era melhor, a corrupção não grassava como atualmente se configura –, em meu modesto pensar, uma dialética do absurdo. Quando se tem uma situação indesejável, como o é a corrupção (generalizada ou não), atualmente exposta à larga nas mídias, defender a castração das liberdades, com o retorno a regimes políticos autoritários, constitui-se exatamente na dialética do absurdo. Defendem alguns que "à época da Ditadura não havia corrupção...", num saudosismo a meu ver inconsequente.
A pergunta é: Não havia corrupção, ou ela sempre existiu e, em decorrência da ausência de liberdade (inclusive de informação), não era conhecida, noticiada, publicizada?! Voltando àquilo que me motivou a escrever este artigo, ou seja, a operação na favela carioca de que resultou um marginal morto e o gasto de tempo, dinheiro e segurança públicos em detrimento do respeito à dignidade humana (não só do marginal, como também dos moradores daquele complexo). Não há ilegalidade maior do que aquela praticada pelo Estado, por meio de seus agentes, fardados ou não!
Daí, remeto ao segundo elemento do texto: o Mito de Sísifo. Como se sabe, trata-se de uma personagem da Mitologia Grega trabalhada num ensaio do filósofo Albert Camus (1941). Consta que Sísifo teria trancafiado Tânato, deus da morte, por certo tempo, levando a um problema seriíssimo, relacionado à ausência de mortes (incluindo a sua própria, sentenciada pelo próprio Zeus), o que desagradara a Hades, deus dos mortos. Descoberto, Sísifo é condenado por Zeus à pena de passar o resto de sua vida rolando morro acima uma imensa rocha arredondada, tentando colocá-la no topo. A idiossincrasia interessante na punição é que Sísifo jamais conseguia, por mais que se esforçasse, colocá-la no topo, visto que, muito próximo, ele mesmo minava seu trabalho, fazendo que a rocha viesse morro abaixo e ele tivesse de reiniciar o trajeto. Assim passou o restante da vida, num processo interminável, insolúvel e sem nenhum sucesso.
O que estamos pensando é: O pleito de retorno a um regime totalitário ou os aplausos que boa parte da população têm dedicado a operações desastrosas como a do SAER/RJ parecem configurar, além da dialética do absurdo, em certa medida, a mencionada história mitológica grega. Isso porque, se se pretende defender os direitos das pessoas por meio da exclusão de direitos (lembrem-se de que as normas são heterônomas, isto é, generalizantes, aplicando-se a todos, indistintamente; abstratas), entra-se no complexo mundo idiossincrático de Sísifo: jamais direitos serão defendidos com menoscabo dos direitos fundamentais.
*Cláudio Ribeiro Lopes: Professor Assistente na Universidade Federal de Mato Grosso do Sul - Câmpus de Três Lagoas: E-mail: claudiolopes@cptl.ufms.br

Comentários