Versões

Reginaldo Villazón
O Nordeste brasileiro é rico de histórias engraçadas. Como esta. Entre duas cidades próximas, a empresa de ônibus fazia meia dúzia de viagens por dia, levando e trazendo gente da região. Por gentileza do motorista e compreensão dos passageiros, um conhecido mendigo pedia e recebia moedas durante as viagens. Era um falso cego que não sabia mentir. Sempre que lhe diziam duvidar da sua cegueira, ele sustentava que era cego, mas piscava sem conseguir encarar as pessoas.
O ato de mentir é antigo. E não é exclusivo dos humanos. Os cientistas já observaram animais que mentem para se defender e proteger seus alimentos. É voz comum que a sociedade humana não pode existir sem a mentira. Por isto, o jornalista alemão Jürgen Schmieder, aos 31 anos de idade, decidiu ficar por 40 dias sem mentir. Sua experiência virou um livro – Sincero –, publicado em 2011.
Por 40 dias, Jürgen Schmieder disse somente a verdade e foi completamente sincero, em todos os lugares e com todas as pessoas. Houve situações positivas e outras engraçadas. Mas o resultado geral foi desastroso. Ofendeu familiares e amigos, traiu a confiança de colegas de trabalho. Em casa, foi obrigado a dormir no sofá da sala. Foi abandonado pelos amigos e desprezado pelos colegas. Ficou isolado e deprimido.
O bom dessa difícil experiência é que o jornalista analisou os fatos com cuidado, colheu informações úteis e as repassou ao público de forma instrutiva. Ele afirma que 50 mentiras por dia são suficientes para incentivar e não ferir as pessoas. Que seu convívio com a esposa hoje é mais sincero, confiante e afetivo. Que hoje ele sabe dizer verdade ou mentira, ser sincero ou falso, agindo de forma responsável e positiva.
Os especialistas em comportamento humano apontam os sinais corporais pelos quais as pessoas se denunciam quando mentem. O olhar direto é evitado, o corpo se encolhe, os gestos ficam mecânicos, a respiração se altera, a voz muda de tom. Porém, as pessoas podem aprender a mentir sem mostrar estes sinais.
É inegável que a mentira está em toda parte da sociedade. Na política, na administração pública, na gestão empresarial, na história, na economia, na religião, no esporte, na comunicação. Quando alguém mente com honestidade – ou seja, com a consciência de que no momento esta é a atitude correta –, não lhe é difícil dar firmeza aos gestos e palavras. Mas, para mentir por conveniência, sem apresentar os sinais de mentira, é preciso enganar o próprio cérebro: "eu não estou mentindo, estou apresentando a minha versão".
Assim, as versões estão na moda. Basta ligar a televisão para ouvir versões ensaiadas, proferidas por pessoas com ares de seriedade. Há versões chamadas: originais, oficiais, partidárias, setoriais, técnicas, mercadológicas, livres e assim por diante. Com as versões, justificam-se as desigualdades sociais, os sofrimentos, as tragédias, as guerras.
As pessoas que acreditam no poder das mentiras tornam-se irresponsáveis. Elas crêem que os resultados dos seus erros e omissões podem ser desfeitos com versões bem contadas. Quando a realidade fica ruim, não há como consertar. Nem há como voltar atrás. Então, a verdade mostra como a realidade pode ser dura.

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