PRDC recomenda que OAB em São Paulo possibilite advocacia Pro Bono

Resolução de 2003 da seccional paulista da Ordem prevê punição para quem advogar gratuitamente
A Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão (PRDC) em São Paulo recomendou ao presidente do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Ophir Filgueiras Cavalcanti Junior, e ao presidente da OAB/SP, Marcos da Costa, a adoção de providências para a reformulação
das normas existentes de modo a possibilitar o exercício da advocacia Pro Bono, inclusive para pessoas físicas, sem que exista o risco de responsabilização ético-disciplinar para os advogados que o exercerem.
Juntamente com a recomendação, o procurador regional dos Direitos do Cidadão, Jefferson Aparecido Dias, enviou aos dois advogados cópia audiovisual da Audiência Pública Advocacia Pro Bono realizada no dia 22 de fevereiro. A recomendação foi enviada no dia 7 de março, e Ophir Cavalcanti e Marcos da Costa têm 20 dias a partir do recebimento do documento para se manifestar. Caso a recomendação não seja acatada, o MPF vai tomar as medidas judiciais necessárias para resolver a questão. Todos os conselheiros federais da OAB também receberam cópias audiovisuais da reunião.
A audiência pública contou com a presença de cerca de 350 pessoas – advogados e estudantes de direito, em sua maioria –, entre as quais renomados juristas, como o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Gilmar Ferreira Mendes; a professora doutora em direito Flávia Piovesan; Flávio Crocce Caetano, representante do Ministério da Justiça; e Adriano Dutra Carrijo, da Advocacia-Geral da União. Embora tenha sido convidada, a OAB não enviou nenhum representante à reunião. Na plateia, entre outros tantos advogados de renome, estavam os ex-ministros da Justiça José Carlos Dias e Miguel Reali Junior.
Audiência pública – Anfitriã do evento, que ocorreu no auditório da Procuradoria Regional da República da 3ª Região, a procuradora regional da República Janice Ascari cumprimentou os presentes e falou da importância, para a PRR3, de sediar uma audiência pública cujo tema é de extrema relevância para a sociedade. A reunião foi coordenada pelo procurador da República Jefferson Aparecido Dias, que logo no início lamentou a ausência de representantes da OAB.
A professora doutora Flávia Piovesan sustentou que a vedação da OAB à advocacia Pro Bono para pessoas físicas representa "grave violação ao direito ao acesso à justiça em um contexto de profunda desigualdade e exclusão social". Ela lembrou que a América Latina ostenta o maior grau de desigualdade no mundo, e que dez dos vinte países com maior taxa de violência estão nessa região."Há que se ampliar e democratizar o acesso ao Poder Judiciário. É uma luta fundamental lutar pelo acesso à justiça, instrumento de distribuição de justiça e direitos".
Por sua vez, o ministro Gilmar Mendes lembrou que não se pode restringir o acesso à justiça "porque ela (a justiça) é que propicia o acesso aos bens mais valiosos, ao próprio direito à vida". "É fundamental que consigamos romper com esse ideário corporativo, com esses grilhões corporativos". Para ele, os "protagonistas dessa cena" e os "de alguma forma envolvidos" devem se olhar no espelho e se perguntar: "Será que estou fazendo a coisa certa? Será que de fato estou contribuindo para que esse país vire a página de desigualdade social?".
Código de Ética – Primeiro integrante da plateia a se manifestar sobre o tema durante a audiência pública sobre Advocacia Pro Bono, o jurista Miguel Reali Junior chamou a atenção dos presentes para o fato de que o Código de Ética da advocacia determina que a profissão "deve se realizar com desprendimento" e que "interesses pessoais em ganhos financeiros" não devem se sobrepor a "ganhos sociais". "Como a OAB/SP pode se propor a punir aquilo que, se não for feito, gera punição disciplinar?", questionou. "Como advogados, temos que estar comprometidos com esse imenso déficit social que é a falta de acesso à justiça", ressaltou.
José Carlos Dias, que durante a ditadura militar advogou de graça para presos políticos, foi ainda mais duro nas críticas: "Me sinto envergonhado com a posição da OAB/SP contra a advocacia Pro Bono. Ao mesmo tempo, me sinto emocionado por, depois de 50 anos de advocacia, pedir a bênção do Ministério Público em razão da vergonha que passo hoje como advogado. Não posso crer que se negue ao advogado o exercício da liberdade", desabafou, em meio aos aplausos dos presentes. "Quero destacar a importância deste evento, no qual o Ministério Público abre as portas para que a população vibre conosco nesta expectativa de que todos tenham justiça".
O advogado Antônio Cláudio Oliveira fez coro com as declarações de José Carlos Dias. "A sua vergonha, Dr. José Carlos Dias, é a vergonha de todos nós. Se o porteiro do meu prédio tem o filho preso e me pede ajuda, como posso responder que só posso socorrê-lo se ele me pagar?", questionou. "Isso me causa grande repugnância. Lamento que a Ordem possa refletir essa ideia tão egoísta. O advogado não pode deixar de ajudar a quem precisa, assim como um médico não pode deixar de tratar quem não pode pagar".
Pro bono – A tradução literal da expressão latina pro bono é "para o bem". A advocacia Pro Bono é uma atividade voluntária que consiste na prestação gratuita de serviços jurídicos na promoção do acesso à Justiça. A Seccional Paulista da OAB, entretanto, desde 2003 proíbe essa modalidade de prestação de serviço. O advogado que exercer a advocacia Pro Bono está sujeito a punições ético-disciplinares.

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