Pare o bonde que eu vou descer

Marta Sousa Costa
www.martasousacosta.com
Quem já não experimentou essa sensação, em algum momento da vida? A necessidade de descer do bonde (se bondes ainda circulassem), estivesse ou não em movimento, porque extrapolou a capacidade de suportar, fosse lá o que fosse?.
"Deu!", a gente pensa, louco pra pular essa etapa, partir pra outra ou pra nenhuma, se esconder embaixo do lençol, ignorar as solicitações para decidir coisas importantes, que deixaram de nos interessar, definitivamente. Ou, ao contrário, ter o direito de fazer o que nos agrada, pensem o que pensarem. Acordar às dez da manhã, por exemplo, sem remorso pela meia manhã perdida. Ou ganha?
Relacionamentos amorosos e familiares se esgarçam, enquanto o sujeito se esforça pra não puxar a cordinha e descer na primeira linha; patrões e funcionários se queixam uns dos outros, paciência esgotada, enquanto as situações indesejadas perduram, por comodismo e falta de iniciativa. São muitos os que resistem ao que incomoda, sem coragem para gritar "estou saindo" ou "muda o rumo, que deu pra mim".
E há os que passam a mensagem de que atingiram o limite, nada mais lhes resta, maldito fim que não chega. Como a velha tia a quem a amiga foi visitar, após longa ausência, aquela que a todos afligia, chamando a morte que tardava, tudo num fio de voz, que forças já não tinha – pensavam os seus. Pois chegou a sobrinha, comunicou a morte da mãe, da mesma idade que a da anciã, e esta, subindo levemente o tom da voz, a fim de ser ouvida, as duas mãos espalmadas sobre o rosto em desespero, começou a cantilena: "Oh, vida ingrata, por que não morri eu?" Até que, subitamente, feliz pela visita da sobrinha, esqueceu-se da encenação costumeira e gritou para a cozinheira, em voz possante: Oh, Jacinta, traz logo um suco de melancia para a Soninha, criatura!
Com facilidade, podemos nos tornar vítimas de pessoas com esse poder de manipular e de se fazerem de infelizes, portadoras de todas as doenças imagináveis, sem um mínimo de consideração para com os horários e compromissos dos outros. Pessoas com doenças que se estendem e algumas realmente exigem cuidados maiores, velhos cujos interesses diminuíram ao ponto de sobrar só o seu umbigo, podem se transformar em carrascos daqueles que mais amam, se as vítimas não forem fortes o suficiente para colocar limites e exigir o seu espaço para respirar, passear, juntar forças para aguentar o tranco.
Fragilizados pelos problemas, tanto nossos como dos outros, às vezes a gente quase se entrega; bom quando lembra que qualquer situação só tem chance de melhorar quando resolvemos enfrentá-la, não aceitando que assuma proporções maiores que a necessária. E o melhor exercício a praticar, todos os dias, é a aprendizagem da independência, cultivada em nós ou estimulada nos outros, para que ninguém seja a carga que, exausto de carregar, alguém sonhe com a possibilidade de deixar no bonde, quando tiver coragem de mandá-lo parar. E também para que possamos ser uma boa companhia para nós mesmos, não permitindo que os problemas, por grandes que sejam, assumam o controle da situação.

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