Nosso sistema penitenciário funciona?

Por Thalita da Silva Farias e Luciano Mendes
A sociedade se constitui, em grande parte, por meio da limitação das liberdades individuais. Com isso, há sempre a institucionalização de valores que determinam e limitam os comportamentos individuais em prol da coesão do grupo. São esses valores que possibilitam detectar e constatar as ações que são classificadas como "certas ou erradas". Para que não ocorra a dissolução das instituições sociais, há a necessidade sempre de reprimir os comportamentos classificados como errados. Essa repreensão pode ocorrer pela internalização de valores, como, por exemplo, a "consciência de culpa", ou pela repreensão do grupo mais próximo, mas, sobretudo – em casos mais graves –, pela estrutura do Estado (única instituição com poder de coerção física).
Para abranger os vários delitos que poderiam ocorrer na sociedade, houve o surgimento de uma instituição específica capaz de realizar a punição – por meio da restrição de liberdades, assim como a readequação moral dos "sujeitos criminosos" – por meio da disciplinarização aplicada nesse espaço. Essa instituição moderna é a prisão. Antes do surgimento das prisões, as punições foram aplicadas de formas diferenciadas entre o século X e o século XVIII: a execução do indivíduo em público ou o mutilação dos membros do "corpo criminoso". A prisão surge no exato momento de constatação sobre o lado desumano desses atos, com a prerrogativa de ser uma instituição capaz de readequar o sujeito à sociedade.
Apesar dessa qualificação e da capacidade de readequação, o que se observa, após o surgimento e efetivação das prisões, não é – na visão do filósofo e historiador francês Michel Foucault – uma restrição, mas a proliferação da criminalidade. Sobre esse tema, a conclusão do filósofo é simples: a prisão coloca em processo de aprendizagem criminosos que estão em estágios diferenciados (no que tange ao delito cometido) e os torna mais qualificados para o crime. Além disso, uma outra conclusão do pensador é que só existe prisão porque existe criminoso. Isso quer dizer que a sustentação de toda uma burocracia penitenciária, que perpassa as instâncias do legislativo, do executivo e, em especial, do judiciário, só existe porque existem aqueles capazes de transgredir as regras. Com isso, manter e mesmo proliferar o surgimento de criminosos acaba sendo algo importante e estratégico para a manutenção da burocracia penitenciária e das várias instâncias de sustentação.
Diante desse quadro, uma terceira conclusão de Foucault está relacionada à marginalização desse sistema penitenciário na sociedade, o que ocasiona um descrédito e um não olhar sobre os problemas, que acabam sendo inerentes a esse sistema. Com isso, as manifestações de poder são exacerbadas de uma forma tal que esse "espaço" se torna um território sem "leis", no sentido de estar distante dos valores e regras da sociedade. Acaba sendo "permitida" uma série de ações desumanas, assim como privilégios e deferências dos sujeitos criminosos com maior poder aquisitivo.
Um exemplo dessa discrepância está em uma reportagem feita pela TV Record, que denunciou irregularidades em alguns presídios brasileiros. Quem tem condições financeiras usufrui de uma boa cela, com regalias inconcebíveis para um sistema prisional. Esse é o caso, denunciado na reportagem, do maior presídio do Brasil, conhecido como o "Presídio das Regalias", localizado em Recife, Pernambuco, onde presos podem tudo, com direito a hambúrguer, churrasquinho, cigarro – e água de coco (caminhões chegam a estacionar no local para descarregar cargas deste produto). Já em outro presídio, mostrado também na reportagem, os presos sobrevivem em situações desumanas, como é o caso do presídio conhecido como "Paraíso das Baratas", localizado em Teresina, Piauí, onde os presos vivem em meio a insetos, e suas refeições são servidas em sacolas plásticas, sem direito a talheres.
Como resolver esses problemas? Como conter muitos dos problemas denunciados por Michel Foucault há quase quarenta anos? Apesar do pessimismo do filósofo, sua crítica põe à mostra a necessidade de a sociedade em geral se integrar e interagir mais sobre as políticas públicas pretendidas e executadas para o sistema penitenciário. Com as denúncias de irregularidades – como no caso da reportagem – é possível deixar evidente a não funcionalidade do sistema, e isso, por sua vez, é capaz de gerar reflexões sobre novas formas de reeducação dos delinquentes.
Provavelmente, em uma sociedade conservadora e capitalista, a diminuição da delinquência passe pelo sistema formal de educação, assim como pela integração ao mercado de trabalho. Evidente que são soluções paliativas, que podem contribuir no curto e médio prazo, mas a longo prazo é necessário que se institua um modo diferenciado de readequação e reeducação sobre as ações criminosas. Thalita da Silva Farias: Acadêmica do curso de Administração da UFMS – Campus de Três Lagoas. e-mail: farias_bitencour@yahoo.com.br – Luciano Mendes: Administrador e Professor Dr. da Universidade Estadual de Maringá (UEM). e-mail: lucianobtos@yahoo.com.br

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