Males consentidos

Reginaldo Villazón
Muita gente se lembra dos tempos, não tão distantes, em que a vida era simples – havia menos progresso e menos diversidade – e era possível caminhar com segurança pelas ruas das cidades, a qualquer hora do dia ou da noite. As pessoas se serviam mais dos ônibus urbanos, que se recolhiam ou escasseavam nas madrugadas. Assim, caminhar longos percursos nas ruas desertas, mesmo nas grandes cidades, era comum.
Esses tempos, não eram mais aqueles tempos da fartura produzida pelas terras agrícolas recém-desbravadas. Já não se amarrava cachorro com lingüiça. As cidades estavam organizadas e seus habitantes possuíam hábitos urbanos que os capacitavam a enfrentar e resolver os desafios impostos pela vida comunitária.
Em poucas décadas, houve grandes mudanças. Novos conhecimentos e conceitos, novas tecnologias e utilidades geraram alterações consideráveis no comportamento individual, no relacionamento interpessoal, no trabalho, no consumo, no lazer e no resto das atividades humanas. Problemas foram resolvidos. Mas outros problemas – como a exclusão social e o consumo de drogas – se tornaram graves.
A prática de delitos evoluiu dos pequenos furtos para os assaltos contra pessoas, residências e empresas. Destes, para os assaltos organizados contra instituições financeiras e empresas depositárias de valores. Nos últimos anos, os crimes ganharam ousadia, crueldade e generalidade. Hoje, o sistema prisional brasileiro está superlotado e milhares de condenados estão livres nas ruas.
Para proteção, a sociedade tomou providências isoladas e de resultados parciais. Grades altas com lanças, muros altos com fios elétricos, portões eletrônicos, portas de ferro, fechaduras elétricas, interfones, câmaras de vídeo, alarmes e outras mais. Há clínicas médicas, consultórios odontológicos e pequenas lojas que funcionam por trás de portas de vidro blindado ou grades de ferro, trancadas eletricamente.
Observações e análises socioeconômicas, nas comunidades onde há mais violência, concluem que as condições de vida, trabalho, educação, cultura e lazer são precárias. Os jovens ficam expostos ao ócio e às más influências. Todos sofrem com a ausência da autoridade oficial e a carência dos serviços públicos. As infrações às leis, o comércio e o consumo de drogas encontram campo livre para se estabelecer e proliferar.
O coronel-de-exército Antônio Erasmo Dias (1924 – 2010) foi Secretário de Segurança Pública do Estado de São Paulo. Era "linha dura", acreditava no uso da força policial para combater o crime e sentenciava: "Bandido bom é bandido morto". Mas um dia, numa entrevista, desabafou: "A polícia combate o crime, mas não combate as causas do crime. O crime é efeito de uma sociedade doente".
De fato, as experiências bem sucedidas de redução drástica da violência aconteceram em cidades que priorizaram as autoridades locais (com destaque para as prefeituras), envolveram as populações residentes (com práticas de cidadania) e implementaram políticas públicas de promoção humana e combate à pobreza.
Há muitos casos exemplares. Dois tiveram repercussão mundial. As cidades de Bogotá e Medellín, na Colômbia, chegaram a reduzir os homicídios em 79% e 90% em poucos anos, através de ações conjugadas em nível local. Isto mostra que, onde autoridades e cidadãos se esquivam das suas responsabilidades, a violência persevera.

Comentários