Numa tarde de verão

Marta Fernandes de Sousa Costa 

Quem sai de Pelotas e, no trevo da BR116, toma o rumo de Porto Alegre ou, ao contrário, segue para Pedro Osório e Jaguarão, encontra estrada sempre plana, campos semeados com soja e arroz, criação de gado. Se, no trevo, escolher a direção de Morro Redondo, Canguçu e Santana da Boa vista, encontrará uma paisagem ímpar, a estrada sinuosa, margeada por belas árvores.
Pouco adiante, está Canguçu, terra de povo trabalhador e gentil. A cidade é feita de altos e baixos; ciclistas não se arriscam pelas ruas cheias de subidas e descidas e até as motos são escassas, na tarde de verão. Lá, as pessoas ainda param para conversar, ao encontrar algum amigo ou conhecido, e são vários os grupos de dois ou três, interrompendo o fluxo do trânsito, sem perturbar ou serem perturbados.
O sol é forte. À porta da Sorveteria Arndt, mulheres e crianças esperam para saborear o sorvete de casquinha. Consigo a única mesa desocupada e peço um Milk Shake, na intenção de escapar da fila do sorvete. Namesa ao lado, o menino divide a atenção entre um enorme pastel e a coca-cola, com a expressão feliz de guri que aproveita o passeio com o pai para saciar todas as vontades.
Caminho ao longo da rua principal, observando o nível dos estabelecimentos comerciais, sinal de que o potencial dos consumidores é reconhecido. Canguçu possui filial da Casa Hercílio, Sulpar, Lojas Colombo, Farmácias Tchê e Popular, percebo, num rápido olhar. É berço da Yara Decorações, com excelentes filiais em Pelotas.
Entro na Agro-comercial Afulra e não resisto a algumas compras. No caixa, descubro: a Afulra possui banheiro! E não daqueles interditados, com a corriqueira alegação de "faltou água", como acontece em certas lojas do free-shop de Rio Branco, por exemplo, em total desconsideração aos consumidores. Ou "só para os funcionários", como em algumas de Pelotas e de outros locais. Ou bagunçado e com aparelhos de segunda categoria. O banheiro feminino é bonito, moderno, asseado. Há também o masculino, naturalmente, e o para portadores de necessidades especiais. Ponto para Canguçu, que sabe pensar grande.
O movimento intenso de automóveis, caminhonetes e transeuntes dá idéia de cidade pujante e povo trabalhador. Canguçu, com mais de 53.000 habitantes, é considerado o município brasileiro com maior número de minifúndios, cerca de 14.000 propriedades rurais.
A jovem amiga, advogada, com escritório em Canguçu, só tem elogios para a gente do lugar, sempre orgulhosa da capacidade de honrar seus compromissos. Moradores de grandes centros podem ficar surpresos com a opção de morar e trabalhar em uma cidade de porte menor. Mas hoje, quando se usufrui das notícias globais a um clique na internet, junto com a facilidade cada vez maior de viajar para todos os cantos do mundo, há quem prefira incrementar essas circunstâncias com o prazer da convivência e o calor humano, ainda encontrado nas cidades menores.
E não se engane quem vir algum cidadão local, na fila do Banco do Brasil, com chinelos de borracha e mãos calejadas pelo trabalho manual. É bem possível que ele tenha mais dinheiro na conta do que quem se atém a juízos apressados.
Retorno ao automóvel, estacionado em frente à Lynitron, onde o marido permanece, sabendo as novidades da terra, enquanto acompanha o conserto do telefone rural. A gente anda por aí e enche a boca pra falar de tudo que viu; ignora a beleza próxima, aquela escondida na luta de todos os dias, no trabalho que rende frutos e torna um povo orgulhoso de ser como é.
Prazer, Canguçu: gostei de te rever. Não sei se mudaste, desde a última visita, ou se eu é que adquiri olhos para te enxergar.
martafscosta@gmail.com

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