A culpa é de São Pedro?

*Marçal Rogério Rizzo e Willian Diego de Almeida

Há uma antiga piada que, de certa forma trágica, aborda a respeito do período em que Deus deu existência ao planeta Terra. Fala-se que nesse momento o Criador dispôs em diversos locais do mundo tragédias ambientais como vulcões, furacões, enchentes e terremotos, menos no Brasil, o que confere ao país uma condição privilegiada; mas em contrapeso teria péssimos políticos...

Parece que a “piadinha” não faz mais sentido, pois além dos péssimos políticos (que são em grande número) agora se tem os graves problemas ambientais, que são frutos da ausência de políticas públicas voltadas para a prevenção de tragédias ambientais.
O que se observa aqui, infelizmente, cabe como um alerta para a maioria dos municípios e estados do Brasil. Os cidadãos foram motivados a levantar essa reflexão após viverem mais uma catástrofe das águas.
Todo ano o filme se repete. Ora acontece em São Paulo, ora em Santa Catarina; outras vezes em Minas Gerais, Mato Grosso do Sul, Pernambuco, Goiás, Alagoas e agora, talvez o mais trágico de todos até o momento, na região serrana do Rio de Janeiro. Tal situação pode ocorrer também por causa da incompetência e inoperância dos governos.
Como reflexão deve-se ponderar as seguintes circunstâncias: Em “algumas” cidades já faz vários meses que as ruas estão esburacadas, mas culpam as chuvas... As rodovias que muitos utilizavam no período da seca já eram ruins, imagine agora no período de chuvas, se torna praticamente intransitável diante dos inúmeros buracos; mas claro, a culpa outra vez é das chuvas... Muitas obras públicas estão em atraso ou nem mesmo se iniciaram e o motivo, novamente, são as chuvas! Casas e ruas são invadidas pelas águas e a responsabilidade, em especial, é de São Pedro?! Houve deslizamentos que causaram centenas de mortes e a culpa... das chuvas!
Quando pressionados pela omissão os políticos saem de fininho. Clovis Rossi na Folha de São Paulo (edição de 13/12/2010) relembrou as palavras do governador Geraldo Alckmin: “não é possível fazer obra em 24 horas”. Será que o representante esqueceu que já está no governo há 16 anos? E que passou pelos cargos de governador, vice-governador e até secretário de Estado (na gestão José Serra, que por sinal também é do PSDB...).

As tragédias das águas demonstram números estarrecedores. Segundo informação divulgada pela Agência do Estado, somente em 2010 as chuvas que atingiram o Brasil provocaram a morte de 473 pessoas, em 11 Estados do Brasil. Mais de 7,8 milhões de moradores em 1.211 municípios foram afetados de alguma forma pelas chuvas. “Desses, 101.298 ficaram desabrigados - pessoas que perderam tudo e precisam dos abrigos públicos – e outros 302.467 ficaram desalojados – os que podem contar com ajuda dos vizinhos e dos familiares”.
Os números para 2011 são piores. Na última quarta-feira (26/01/2011) já totalizavam quase 827 o número de vidas ceifadas pelas chuvas. Vale lembrar que por trás desses números existem seres humanos, mas parece que essa visão um tanto “humana” a respeito da situação não faz parte dos constas governamentais.
É lamentável presenciar tamanho drama. O povo não pode culpar única e exclusivamente às chuvas por tamanha tragédia, pois, de certa maneira, a (falta de) atitude das autoridades políticas contribuiu para esse caos, especialmente porque existe um tremendo descaso com a fiscalização do uso e ocupação do solo em todo o Brasil. Não se respeita o Plano Diretor e nem mesmo o Estatuto das Cidades na maioria dos municípios. Há cidades que tem Plano Diretor somente para cumprir tabela e, para isso, não precisa ser especialista para ver que há invasões e ocupações que são verdadeiras “bombas-relógio”, onde a única coisa que funciona bem é a cobrança do IPTU.
Por outro lado a falta de educação e cidadania contribui para o problema. Destaca-se aqui o descarte irresponsável do lixo por uma parcela considerável da população. Nesse aspecto, a imprensa publicou imagens da enchente que sobreveio no bairro do Limão – zona norte de São Paulo – mostrando um amontoado de garrafas PET, de sacolas, sacos plásticos e muito, mas muito lixo. Dessa forma, não existe bueiro capaz de dragar tanta imundície. Será que foi São Pedro que jogou lixo ali? Certamente que não, pois até a impermeabilização sem controle de boa parte das áreas urbanas também é um fator que contribuiu e contribui com as tragédias das chuvas.
Triste ainda é ver que enquanto um dos maiores desastres da história do Brasil ocorria na região serrana, com centenas de mortos e milhares de desabrigados, muitos cantavam e dançavam aos montes na gávea, festejando a contratação de Ronaldinho gaúcho; atitude esta de determinados torcedores e diretores de um dos maiores clubes esportivos do Brasil. Tanto a sensibilidade, quanto a empatia e a cumplicidade, nessa ocasião, foram esquecidas, pois não era de se festejar tal momento, e sim chorar. A população carioca movimentada e representada por alguns políticos, muitas vezes, sem consciência, não podem se deixar levar por tão vil forma de identificação afetiva, já que a falta de respeito parte de atitudes admitidas pelos que representam o povo em determinados estados.
No calor das emoções e das pressões populares veem-se muitas promessas. Daí sobrevém uma questão: Como levar a sério um país que se preocupa tanto em gastar bilhões na realização da Copa do Mundo e das Olimpíadas, e deixar milhares de famílias desguarnecidas de dignidade, uma vez que residem em locais perigosos como margens de rios, córregos e encostas dos morros?
O presidente Lula deixou um enorme e azedo abacaxi para a “presidenta” Dilma descascar. Seria mais prudente ter deixado um projeto em execução que realmente visasse à dignidade do brasileiro, como, por exemplo, uma residência em um local seguro e decente.
Para não “chover no molhado”, fica advertido que o problema é grave e sem ações preventivas para minimizá-lo, afinal de contas, obras dessa envergadura não são muito visíveis, não resultam em espetáculos de inauguração, ou seja, não atribuem votos.
*Marçal Rogério Rizzo é economista e professor da UFMS. Mestre em Economia e Doutor em Geografia. e-mail: marcalprofessor@yahoo.com.br *Willian Diego de Almeida é acadêmico do curso do Direito da UFMS – Campus de Três Lagoas. e-mail: wdatls@gmail.com

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