Dr.
Fernando Capano*
O
recente episódio envolvendo suposta interferência de Alexandre de Moraes, do
Supremo Tribunal Federal (STF), no caso do Banco Master, com direito a relatos
de pressão sobre autoridades monetárias — em especial, o presidente do Banco
Central do Brasil — e a existência de expressivo contrato com escritório de
Advocacia ligado à familiar próximo do ministro, não pode ser tratado como mero
ruído conjuntural do debate político-institucional nacional. O assunto exige
reflexão estrutural, sob pena de normalizarmos práticas que corroem
silenciosamente o Estado Democrático de Direito.
Numa
Democracia constitucional madura, o Direito não é instrumento de poder, mas,
sim, mecanismo de contenção. Sua função primordial é limitar vontades,
disciplinar competências e impedir que a autoridade pública — ainda que
revestida das melhores intenções — ultrapasse os limites que a Constituição
Federal impõe a todos nós.
Quando
pressões institucionais ou atos judiciais passam a ser percebidos como
extensões da vontade individual de um magistrado, o problema deixa de ser
pessoal: passa a ser sistêmico. É neste contexto que se torna inadiável
discutirmos a reforma do STF. O atual arranjo, afinal, concentra poderes
excessivos nos ministros relatores, sobretudo no controle da agenda e na
prolação de decisões monocráticas com efeitos políticos, econômicos e sociais
profundos. Soma-se a esta dinâmica o domínio estratégico da pauta de
julgamentos, capaz de acelerar temas sensíveis ou, inversamente, mantê-los,
indefinidamente, fora do debate do colegiado.
Ora,
uma Corte Constitucional não pode funcionar como a soma de vontades
particulares dotadas de superpoderes. Sua legitimidade repousa na colegialidade
real, no equilíbrio interno e na previsibilidade institucional. Quando um único
ator passa a concentrar poder de pauta, de decisão e de projeção política, a
balança dos Poderes da República se desequilibra — deflagrando, exatamente, o
oposto que se espera do papel da Corte.
Há,
ainda, um outro ponto sensível frequentemente ignorado: o STF não se submete
aos controles administrativos do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), o que
torna indispensável a criação de um Código de Ética e de Disciplina, como bem
sugerido pelo ministro Edson Fachin, presidente da Corte. O arranjo precisaria
ser dotado, no entanto, de um mínimo poder correcional e efetiva
coercitividade.
Não
se trata, que fique claro, de fragilizar a independência judicial do País. Mas
é indiscutível a necessidade de se implementar a lógica republicana do
“controle dos controladores”. Na esteira popular, fica a pergunta: quem vigia o
vigia?
Sem
limites claros, transparentes e institucionalizados, o Judiciário brasileiro
vai perdendo em escala vertiginosa seu principal ativo: o capital reputacional.
E, sem confiança social, não há autoridade legítima - apenas decisões
formalmente validadas, mas crescentemente contestadas e desacreditadas pela
sociedade, pela Imprensa, nas ruas e nas redes.
Se
o STF deseja exercer seus amplos poderes com legitimidade plena, ao meu ver,
precisa, antes de mais nada, aceitar que também deve ser objeto de controle.
Repito: não se trata de uma ameaça à Democracia. Pelo contrário: é,
precisamente, uma condição para preservá-la.
*Fernando Capano é advogado; doutor em Direito do
Estado, pela Universidade de São Paulo (USP); doutor em Direito do Estado e
Justiça Social, pela Universidade de Salamanca (Espanha); mestre em Direito
Político e Econômico, pela Universidade Presbiteriana Mackenzie; habilitado em
Direito Internacional dos Conflitos Armados, pelo Instituto San Remo (Itália) e
pela Escola Nacional de Magistrados da Justiça Militar da União (Enajum);
especialista em Segurança Pública, em Direito Militar, e na Defesa de Agentes
da Segurança Pública; professor universitário de Direito Constitucional da Universidade
Zumbi dos Palmares e de Direito Penal do Centro Universitário Padre Anchieta
(UniAnchieta); especialista em Administração de Empresas, pela Fundação Getúlio
Vargas (FGV); presidente da Associação Paulista da Advocacia Militarista
(Apamil); e sócio-fundador da Capano e Passafaro Advogados

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