*José Renato Nalini
Ignácio de Loyola Brandão,
biacadêmico – imortal das Academias Paulista e Brasileira de Letras – previu,
na década de setenta, que um dia os paulistanos não conseguiriam sair com seus
carros de suas garagens. Teriam de caminhar sobre milhares de automóveis
enferrujados, tamanha a proliferação desse veículo que é o mais egoísta do
planeta.
Essa profecia não está longe de se
concretizar. Noticia-se a média de quinze mil licenciamentos diários para
veículos leves. E os congestionamentos, segundo o cientista e médico Paulo
Saldiva, prolongam a exposição à poluição, afetam o sono e reforçam a urgência
por transporte coletivo sustentável e cidades mais equilibradas.
Em recente fala na Rádio USP, ele diz
que o trânsito caótico rouba o único insumo que não se pode repor: o tempo. Mas
o subtrai não só do trabalho, do sono, do descanso e do lazer. Isso altera o
humor e a saúde mental das pessoas. E acrescenta: “pois concordemos que dirigir
em uma grande cidade está longe de ser uma experiência de elevação espiritual.
Mais ainda, a opção por transporte individual prioritária tem feito com que
inalemos mais poluentes. Graças a esforços e dos agentes reguladores da
melhoria da qualidade veicular, as concentrações de poluição caíram na nossa
cidade; no entanto, o mesmo não acontece com a dose de poluentes que inalamos.
Não caiu na mesma extensão […] nós passamos para um nível muito mais baixo de
poluição, mas o tempo que passamos no trânsito é muito maior”.
Para
o patologista que é especialista em “ondas de calor”, não é incomum que
percamos mais de uma ou duas horas por dia “inalando de forma inexorável os
poluentes que nos circundam, emitidos por aqueles pequenos tubos que são as
novas chaminés. São as grandes avenidas e o tráfego denso que produzem gases e
partículas produzidas não só pela combustão, como também pela suspensão do
solo. Não é senão por isso que a gente observa nas pessoas falecidas na cidade
de São Paulo, no serviço de verificação de óbitos da capital, a impressão
digital da cidade sob a forma de pequenas cicatrizes, pequenas tatuagens negras
nos nossos pulmões, mesmo que não fumantes. Essa é uma situação também que
afeta a qualidade e a dignificação da cidadania”.
As
vítimas preferenciais desse drama são os mais carentes. Moram longe. Perdem
precioso tempo que poderiam usufruir em descanso ou estudando e também inalam
mais poluentes pelo tempo maior que perdem nos seus deslocamentos. “Esse é um
chamamento para que a gente invista em sustentabilidade e redução das
emissões.”
Isso
acontece em todas as grandes cidades de São Paulo e do Brasil. Por isso, deve
servir de modelo a inspiração do Prefeito Ricardo Nunes, que insiste na
eletrificação dos ônibus paulistanos, para que haja preferência da população
por transporte coletivo. Além disso, investe-se na utilização do biometano, o
gás natural não fóssil que provém dos resíduos orgânicos e da vinhaça do setor
sucroalcooleiro.
Também
deve ser estimulado o ciclismo, o caminhar a pé, a opção por “um dia sem
carro”, pois o que está em jogo é a qualidade de vida, a saúde humana e a
constatada perda de longevidade daqueles submetidos à crescente poluição dos
grandes centros.
O
Poder Público está fazendo sua parte. Mas depende da colaboração da cidadania,
porque sem a firme adesão de todos, a melhor política pública deixa de produzir
os efeitos esperados e desejados.
*José Renato Nalini é
Reitor da UNIREGISTRAL, docente da Pós-graduação da UNINOVE e
Secretário-Executivo das Mudanças Climáticas de São Paulo.

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