Mesmo com mais transparência e planejamento, a Lei 14.133 ainda abre espaço para sigilo excessivo, manipulação de ferramentas tecnológicas e direcionamento de editais
foto/Divulgação: M2 Comunicação
“Embora a nova lei tenha reforçado tanto o planejamento quanto a transparência, dificultando as fraudes e ampliando o alcance de novas ferramentas de detecção, infelizmente ainda existem certas zonas cinzentas na atual lei que podem dar margem a ocorrência de fraudes”, explica o especialista.
As principais ‘zonas cinzentas’ estão relacionadas ao planejamento inadequado da contratação, o uso de licitações sigilosas sem justificativa, a interpretação flexível das modalidades de contratação e a manipulação de ferramentas tecnológicas.
“O sigilo do orçamento deve ser fundamentado para garantir economicidade e não para encobrir preços superfaturados ou negociações ilícitas. A falta de justificativa clara pode permitir valores acima do mercado ou direcionamento da contratação”, informa Ricardo Dias.
Outro ponto crítico é o planejamento inadequado da contratação, etapa que deveria ser o pilar do processo. O advogado alerta que quando essa fase é mal-conduzida, abre-se caminho para contratações que não atendem ao interesse público. “Se o planejamento é feito de forma inadequada na fase preparatória, pode levar à seleção de soluções que desviam a finalidade da licitação”, informa.
A lei também incentiva o uso do Portal Nacional de Compras Públicas (PNCP), ampliando o rastreio de informações e cruzamento de dados. Entretanto, o especialista adverte que até as ferramentas tecnológicas podem ser manipuladas: “Existe o risco de preenchimento de dados falsos ou ocultação de informações dentro do próprio sistema”.
O especialista destaca ainda alguns sinais de alerta que podem indicar fraude em licitações. “Propostas apresentadas com preços muito semelhantes. Alternância regular de empresas vencedoras em licitações. Empresas sem capacidade técnica ou financeira real participando de modo suspeito e uso de grupos de mensagens (como WhatsApp) para combinar resultados”, destaca.
Para Ricardo Dias, o combate às irregularidades exige fiscalização contínua e maturidade institucional. Mesmo com a tipificação de crimes como cartel e conluio, “a detecção ainda depende da capacidade de fiscalização e do monitoramento de dados de mercado”.
Confira as principais brechas da lei
Excesso de Sigilo: a Lei 14.133/2021 permite o sigilo do orçamento estimado, mas a base para esse sigilo deve ser devidamente fundamentada para garantir a economicidade, e não para encobrir preços superfaturados ou negociações ilícitas.
Planejamento Deficiente: a lei enfatiza o planejamento, contudo se feito de forma inadequado na fase preparatória pode levar à seleção de soluções que não atendem ao interesse público ou ao desvio da finalidade da licitação, como em casos de "fuga do planejamento".
Manipulação de Ferramentas Tecnológicas: embora a lei preveja a utilização de ferramentas como o Portal Nacional das Compras Públicas (PNCP) para aumentar a transparência e detectar fraudes, existem riscos de que essas mesmas ferramentas sejam manipuladas por meio do preenchimento de dados falsos ou pela ocultação de informações.
Flexibilização na Escolha da Modalidade: a nova lei estabelece modalidades de licitação (Pregão, Concorrência, Concurso, Leilão e Diálogo Competitivo). O uso inadequado ou a escolha equivocada de uma modalidade, como a utilização do diálogo competitivo para contratar algo que poderia ser feito por Pregão, pode caracterizar fraude.
Cartéis e Conluio: embora a Lei 14.133/2021 tenha tipificado crimes de cartel e conluio entre licitantes, a sua aplicação ainda depende da fiscalização e da capacidade de detecção de informações no mercado. A manipulação de propostas, mesmo com os novos mecanismos de segurança, continua sendo uma prática a ser combatida.
Conheça os tipos mais comuns de fraudes
Cartéis: reunião de empresas que combinam suas propostas para manipular o resultado da licitação, criando a falsa impressão de uma disputa acirrada.
Direcionamento de editais: A manipulação dos critérios e exigências no edital para que apenas um ou poucos fornecedores consigam cumprir os requisitos, favorecendo-os.
Conluio e propinas: pacto entre empresas licitantes e agentes públicos para dividir valores, definir vencedores e eliminar concorrentes, muitas vezes com o pagamento de propinas.
Empresas laranjas: empresas sem capacidade real para participar da licitação atuando em nome de outras, simulando concorrência quando, na verdade, há um conluio por trás.
Falsificação de documento: a apresentação de documentos falsos ou adulterados para comprovar regularidade fiscal, capacidade técnica ou financeira.
Sobrepreço/superfaturamento: propostas com preços significativamente acima do valor de mercado, que não têm justificativa plausível e lesam o orçamento público.
Afastamento de licitantes: ações para impedir que empresas concorrentes participem do processo licitatório, como a violação de sigilo, a divulgação indevida de informações, ou a criação de barreiras artificiais.
Fonte: Ricardo Dias, advogado especialista em Licitações e sócio do Comparato, Nunes, Federici & Pimentel Advogados (CNFLaw)

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