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| foto/arquvio pessoal/divulgação |
Dr. Marcelo Valadares (foto), referência em neurocirurgia funcional na Unicamp, explica como a técnica, ainda experimental, pode estimular o cérebro e potencializar a recuperação neurológica dos pacientes
As sequelas de um acidente vascular cerebral (AVC) impõem desafios à reabilitação neurológica. Nesse cenário desafiador, a neuromodulação surge como uma nova esperança para favorecer a recuperação funcional de pacientes que antes pareciam ter poucas perspectivas.
O AVC, popularmente conhecido como derrame cerebral, ocorre quando o fluxo sanguíneo para uma área do cérebro é interrompido pela obstrução de uma artéria (AVC isquêmico) ou quando há sangramento intracraniano decorrente da ruptura de um vaso sanguíneo (AVC hemorrágico), resultando em morte ou lesão de células nervosas. De acordo com o Ministério da Saúde, são cerca de 400 mil casos anualmente. A Organização Mundial da Saúde (OMS) afirma que o AVC está entre os dez principais distúrbios neurológicos ligados a óbitos e incapacidades no mundo.
As sequelas deixadas pelo AVC variam conforme a região cerebral afetada e o tempo até o atendimento médico. As limitações podem ser físicas, cognitiva, visual, motora ou psicológica, ou uma combinação delas, que comprometem a autonomia e a qualidade de vida do indivíduo.
O tratamento costuma ser longo e envolve diferentes áreas, como fisioterapia motora, terapia ocupacional, fonoaudiologia e apoio psicológico. O foco é recuperar funções perdidas e ajudar o paciente a se readaptar às atividades do dia a dia. Também podem ser usados medicamentos para controlar a dor, a espasticidade e os sintomas emocionais.
A neuromodulação pode ampliar o potencial de recuperação de pacientes ao estimular o sistema nervoso central por meio de impulsos elétricos, modulando regiões cerebrais envolvidas no controle do movimento, da fala e da percepção sensorial. Esse processo favorece a neuroplasticidade - a capacidade do cérebro de criar conexões para compensar áreas lesionadas. Embora ainda em fase experimental, o uso da neuromodulação no tratamento do AVC tem apresentado resultados promissores.
Segundo o Dr. Marcelo Valadares, neurocirurgião especialista em dor e membro da disciplina de Neurocirurgia da Unicamp, o diferencial da neuromodulação está em atuar diretamente sobre o cérebro, estimulando a reorganização neuronal. “Enquanto a reabilitação tradicional treina o corpo, a neuromodulação pode ensinar novamente o cérebro a comandar o corpo. Muitos pacientes que estavam estagnados devem evoluir após o tratamento, o que muda completamente a perspectiva de futuro”, afirma médico.
Existem dois principais métodos em estudo para neuromodulação cerebral. Na abordagem invasiva, o DBS (Deep Brain Stimulation) utiliza um procedimento cirúrgico para implantar eletrodos em regiões específicas do cérebro ou da medula espinhal, que passam a emitir estímulos elétricos controlados. Esse tipo de neuromodulação é indicada em casos mais complexos, geralmente quando há sequelas motoras graves, mas ainda é considerado experimental no contexto da reabilitação após AVC.
Já a neuromodulação não invasiva dispensa cirurgia, utilizando dispositivos posicionados sobre ou próximos ao couro cabeludo que aplicam correntes elétricas leves ou campos magnéticos para ativar ou inibir áreas específicas do cérebro conforme a necessidade terapêutica. Entre as técnicas mais estudadas estão a estimulação magnética transcraniana repetitiva (rTMS) e a estimulação transcraniana por corrente contínua (tDCS), que apresentam bom grau de evidência e vêm se destacando pela segurança e aplicabilidade em diferentes estágios de reabilitação.
A neuromodulação é realizada em ambiente hospitalar ou ambulatorial e faz parte de um programa de reabilitação multidisciplinar. Ao ser integrada a outras terapias, tem potencial de acelerar a recuperação funcional, principalmente após a fase aguda do AVC. “Embora ainda não seja uma terapia curativa, a neuromodulação ajuda a reativar circuitos neurais e a promover ganhos importantes para o dia a dia, como mobilidade, coordenação e autonomia”, explica o Dr. Valadares.
No Brasil e no mundo, algumas terapias de neuromodulação para reabilitação pós-AVC em alguns casos ainda são consideradas experimentais e restritas a estudos clínicos, sem incorporação em protocolos de rotina. A expectativa é que, com o avanço das evidências científicas e a redução dos custos, a neuromodulação possa futuramente ser incorporada ao SUS de forma ampla.
Os próximos dez anos devem marcar um salto na reabilitação de pacientes com sequelas neurológicas, com o auxílio da neuromodulação. A incorporação da inteligência artificial, robótica e realidade virtual vão permitir a personalização da estimulação cerebral conforme o perfil de cada paciente, de forma segura, em estágios mais tardios do AVC, quando as opções de recuperação são mais limitadas. “Quando o paciente volta a realizar tarefas que antes pareciam impossíveis, como se comunicar e caminhar, não estamos apenas diante de um avanço médico, mas de uma transformação na sua qualidade de vida. A neuromodulação chega para trazer a chance de acreditar novamente na recuperação plena”, conclui o neurocirurgião.
Sobre o Dr. Marcelo Valadares:
O Dr. Marcelo Valadares, médico neurocirurgião e pesquisador da Disciplina de Neurocirurgia da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), também integra o corpo clínico do Einstein Hospital Israelita.
A Neurocirurgia Funcional é a sua principal área de atuação. Seu enfoque de trabalho é voltado às cirurgias de neuromodulação cerebral em distúrbios do movimento, cirurgias menos invasivas de coluna (cirurgia endoscópica da coluna), além de procedimentos que envolvem dor na coluna, dor neurológica cerebral e outros tipos de dor.
O especialista também é fundador e diretor do Grupo de Tratamento de Dor de Campinas, que possui uma equipe multidisciplinar formada por médicos, enfermeiros, fisioterapeutas, psicólogos e educadores físicos.
No setor público, recriou a divisão de Neurocirurgia Funcional da Unicamp, dando início à esperada cirurgia DBS (Deep Brain Stimulation – Estimulação Cerebral Profunda) naquela instituição. Estabeleceu linhas de pesquisa e abriu o Ambulatório de Atenção à Dor afiliado à Neurologia.

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